Hipnose e Padrões

Hipnose e Padrões

Samej Spenser
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Introdução

Um dos livros que mais gosto, meu livro de cabeceira, está longe de ser um romance ou qualquer coisa semelhante a isso. Meu livro favorito é um livro que pode ser entendido como “técnico”, porém tem uma leitura tão fácil, tão gostosa, provocativa, irônica, satírica… que é quase impossível deixar de aprender algo novo a cada (re)leitura.

Tendo isso em mente, quero trazer aqui abaixo um trecho que gosto muito, trecho esse que trata dos padrões comportamentais que exercemos, e aqueles padrões comportamentais que podemos ressignificar.

Então vamos deixar de blá-blá-blá e partir para a aprendizagem/leitura! 😉

Padrões

Hipnose e Padrões

Imagine, se conseguir, um hipnotizador dos velhos tempos colocando um participante em estado de hipnose e depois fazendo uma forte sugestão. (Para quem se pergunta o que é uma sugestão forte, é aquela que funciona; o restante são as fracas.) O hipnotizador sugere que às 4 horas da tarde o nariz do participante coçará e o participante terá de coçá-lo. Se essa sugestão for eficaz, o sujeito reagirá como o esperado. Se ele repetisse essa reação por três ou quatro dias seguidos, ficaria surpreso ao descobrir que desenvolveu um padrão de coçar seu nariz às 4 horas da tarde todos os dias. Mesmo um indivíduo sem treinamento em hipnose reconheceria que o padrão foi resultado de sugestão hipnótica. Claro!

Pegue uma criança e diga-lhe várias vezes que ela jamais será tão boa quanto seu pai, nem como seu irmão, e nunca conseguirá nada. Anos depois, toda vez que estiver prestes a ser promovida, fica bêbada, “esquece” de aparecer para trabalhar e não consegue nada. Nós não chamaríamos isso de um padrão resultante da hipnose… chamaríamos?

Os padrões são uma parte necessária e importante de nosso comportamento. A maioria deles serve como funções úteis e libera nossa mente para novas experiências de aprendizado. Ao ler isto, você conta com padrões aprendidos há muitos anos: padrões para sentar, segurar o livro, ver as palavras, compreender e aprender.

Você dirige por uma rua e um carro ultrapassa o sinal vermelho na sua frente. Automaticamente, você pisa no freio e estica-se todo, preparado para a possibilidade de uma batida. Durante essas ações, aconteceram, literalmente, centenas de reações fisiológicas, psicológicas e emocionais, ocorrendo de uma forma padronizada para ajudá-lo. Se você precisasse “pensar” e analisar as situações e suas reações, com certeza teria um acidente.


Padrões: um experimento

Nós humanos não apenas contamos com nossos padrões, mas, como destacarei rapidamente, somos capazes de adotá-los de uma forma muito rápida. Além disso, ficamos desconfortáveis — às vezes até infelizes — quando interferem ou mudam nossos padrões. Pense… agora… em uma época em que você se mudou, trocou de emprego ou até redecorou sua casa. Você pode conseguir lembrar-se dessas vagas sensações inquietantes. Pode até sentir algumas delas agora ou logo mais.

Faça o seguinte experimento: preste atenção à sequência (padrão) em que se veste pela manhã. Você coloca as calças antes da camisa? Calça o pé direito antes do esquerdo? Blusa antes da saia? Barbeia o lado direito do rosto antes do esquerdo? As bochechas antes do pescoço? Quando você descobrir seus padrões, esforce-se para variá-los diariamente por vários dias. Você pode perceber que se sente meio esquisito e desajeitado. Depois, mude o lado da cama onde costuma dormir. Esteja preparado! Você pode ter dificuldade para pegar no sono. Por outro lado, você pode dormir bem. Se você dorme com alguém, e espero que faça, e a pessoa concordar em trocar de lugar, compartilhe sua experiência na manhã seguinte. Por fim, mas não menos importante, se você faz uma refeição em família, faça todos se sentarem em um lugar diferente daqueles onde normalmente sentam. Preste muita atenção às suas reações internas e observe o comportamento daqueles à sua volta.

Estima-se que pelo menos 60 a 70% de todos os comportamentos sejam reações padronizadas. Os padrões podem nos libertar para esforços mais criativos. Comportamentos mal-adaptados e autodepreciativos também são reações padronizadas. Na minha opinião, a terapia obtém êxito, por qualquer método ou construção, sempre que interromper padrões dolorosos e trocar por outros mais bem-sucedidos.

Há padrões biológicos inseridos no sistema, mas desejamos explorar os aprendidos. O que pode ser aprendido pode ser reaprendido. Todos sabemos e sempre saberemos como engatinhar. Porém, também aprendemos a andar e achamos essa, na maioria dos casos, uma escolha melhor. Sabemos quando engatinhar seria nossa escolha mais eficaz e podemos decidir quando contar com esse padrão. As pessoas que contam com padrões mal-adaptados parecem não ter escolha de quando ou onde usar outro padrão. Um comportamento mal-adaptado pode ser totalmente inapropriado sob as circunstâncias em que acontece ou pode ter servido a um propósito no passado e agora ser arcaico. Ou os resultados dolorosos se devem a uma falta de escolhas sobre quando contar com o padrão.


Dor como um padrão

A dor fisiológica é mais do que dor. É também um padrão. O indivíduo que sofre de dor por doença ou ferimento reage a ela de uma forma padronizada. O padrão baseia-se em sua experiência no passado com a dor, seu sistema de crenças sobre sua habilidade em lidar com a dor, bem como suas expectativas futuras. O indivíduo cuja experiência do passado e seus sistemas de crença o levaram à expectativa de saber lidar com a dor — que ele sempre conseguiu e ele “sabe” que se recuperará rápido — torna-se o que chamamos de “redutor”. Como o nome sugere, esses indivíduos conseguem não apenas minimizar sua reação à dor, mas também diminuir a própria percepção da dor. Na outra extremidade da escala está o que chamamos de “aumentador”. No sistema de crença de um aumentador, ou seja, em sua história rememorada da dor, ela é terrível, forte, sempre piora e ele não a suporta. Espera no futuro que a dor sempre piore antes de melhorar.

Essa reação padronizada de pensamento leva ao paciente que interpreta pontadas, a coceira da cura, a pressão, os gases após a cirurgia, etc. como sinais de dor, e, como se por magia negra ou hipnose negativa, eles realmente sentem mais dor. Os aumentadores demoram mais para se recuperar de doenças e cirurgias, tendo mais complicações e reclamações do que um redutor. Argumentar com um aumentador, discutir ou desistir e se afastar com repugnância seria esquecer que seu sistema de crença e padrão de reações estão, de fato, operando como uma sugestão hipnótica. A lógica e a razão têm pouco ou nada a ver com isso. Então continue esquecendo… de usar a lógica.


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Assim como um padrão pode ser uma reação eficaz e automática produzindo resultados benéficos, também pode ser um método eficaz e automático para o autoboicote. [1] Se um indivíduo combina um sistema de crenças, como “Não consigo ter sucesso, sempre fracasso” com um padrão de comportamento de autoboicote, ele não só fracassa, como isso “prova” seu sistema de crença. Isso leva ao reforço dos padrões automáticos de crença e de comportamento. É de conhecimento geral das comunidades científicas e acadêmicas que um indivíduo pode afirmar uma hipótese e, depois, encontrar dados e estatísticas que provem sua teoria. Esse princípio também vale para sistemas de crença e padrões. Um sistema de crença leva ao automatismo de uma reação que leva a provar o sistema de crença, levando por sua vez à repetição do padrão. É quase como a imagem proverbial da cobra comendo o seu próprio rabo e reclamando de seu fim iminente.

G. A. Miller, E. Galanter e K. H. Pribam (Plans and the Structure of Behavior, 1960) destacam que hábitos e habilidades são planos que iniciam como processos voluntários, mas, no curso de repetição e sobre aprendizado, tornam-se fixos e automáticos.


Hipnose - padrões - Erickson

(…) Por ora, considere os resultados da interrupção repentina do padrão.

Há anos atrás, os pesquisadores decidiram interromper participantes hipnotizados enquanto desempenhavam tarefas pós-hipnose. Eles descobriram algo bem interessante. O participante, ao ser interrompido, entrou, espontaneamente, em estado de hipnose. Milton Erickson usou esse fenômeno como um método para indução do transe. Por exemplo, ele daria uma sugestão para acontecer alguma atividade pós-hipnótica na sessão seguinte. Dr. Erickson, então, interromperia o padrão. O participante (…) entraria em estado de hipnose (…). Se você, como terapeuta, pudesse descobrir um padrão em seu paciente, levá-lo a recriá-lo e interrompê-lo antes da conclusão, poderia ficar surpreso, pois o indivíduo poderia entrar em estado de hipnose. Posso estar errado. Pode ser que nem fique.


Interrupção de padrão

Uma mulher entrou em meu consultório, sentou-se, cruzou suas pernas e depois cruzou os braços sobre o peito, suspirou profundamente e começou a cuspir as palavras. Contava sobre sua situação desanimadora, sua estupidez, como não conseguia fazer nada certo e que, provavelmente, nem conseguiria aprender “esse troço de hipnose”. Nesse ponto, meu telefone tocou. Como eu esperava uma ligação importante, não desliguei. A mulher pareceu chateada; então, desculpei-me e pedi que esperasse na recepção, enquanto eu completava a ligação. Quando a chamei de volta, ela sentou-se na mesma cadeira e recriou seu comportamento inicial em todos os detalhes: cruzou as pernas, depois os braços, suspirou profundo e depois a torrente de palavras de desesperança.

Reconhecendo seu comportamento como um provável padrão, decidi interrompê-lo. Disse, de repente: “Espere, não consigo ouvi-la daí. Você se importa de mudar para aquela cadeira para eu ouvi-la melhor?” Ela mudou de cadeira, cruzou as pernas, depois os braços, suspirou, mas, antes que ela começasse a falar, virei para minha mesa e comecei a escrever, sem olhar para ela. Depois, desculpei-me e disse que a primeira cadeira seria melhor e ela ajudaria muito se trocasse de novo. Quando ela se sentou, pedi para cruzar suas pernas primeiro, e só depois os braços. Ao obedecer, ela desenvolveu o que o Dr. Erickson chama de “prontidão de reação” (Erickson, Rossi 1976). A melhor descrição disse seria “fitando quase como se sonhasse acordado”.

Pedi então para ela fechar os olhos, inspirar fundo e expirar devagar (isto é, seu suspiro descrito de outra forma) antes de conversarmos. Depois de fazer isso (já reagindo ao meu comando e sugestões), eu disse: “Agora que está ficando muito relaxada, você pode continuar respirando devagar, relaxando muito mais [deixando a cargo dela descobrir quanto é esse muito mais] e, logo, você pode querer descruzar ou seus braços ou as pernas primeiro [sugerindo que haveria um segundo descruzar, sem ela saber quando]”. Em dois minutos ela adquiriu um estado mais satisfatório.

Enquanto analisa o exemplo anterior, você pode captar, agora, a importância do reconhecimento, da interrupção e do potencial dos padrões. Foi uma aposta mais do que certeira a de que o comportamento da mulher era uma reação padrão ao abordar qualquer problema. Como ela estava em meu consultório pedindo ajuda, também foi uma resposta certeira que seu padrão não estava funcionando. O padrão foi interrompido pela primeira vez antes de ela começar com as palavras de desespero (mandei-a para outra cadeira). Ela foi interrompida de novo, dessa vez antes de seu suspiro (mandei-a de volta para a primeira cadeira). Seu padrão foi interrompido de novo e orientado (cruze suas pernas e só então seus braços) e, de novo, pela introdução de “feche seus olhos e inspire fundo, expirando devagar antes de falar”. Em suma, seu padrão foi interrompido, depois redirecionado até um estado de hipnose formal.


Padrão instantâneo

Os padrões, sejam eles harmoniosos e eficazes ou dolorosos e destrutivos, podem ser estabelecidos bem rápido. Em sua obra sobre a divisão cerebral, Gazzaniga (1967) discutiu o que denominou “reflexo condicionado ou mau hábito” e a rapidez com que um indivíduo pode aprender esses padrões do comportamento quando disse:


Devemos lembrar que examinamos uma metade do cérebro humano, um sistema capaz de aprender com uma única tentativa em um teste.
The Split Brain in Man, de Michael S. Gazzaniga, Agosto de 1967, p. 372. “Progress in Psychobiology”.Leituras da Scientific American, W. F. Freeman & Co.


Em nossos seminários de treinamento, eu pediria a um voluntário para estender o braço direito ou esquerdo à frente, com a mão fechada, com os músculos do braço rijos. Depois direi a ele que darei uma instrução impossível de realizar: vou pedir para mexer o braço para cima e para baixo ao mesmo tempo. Claro que é impossível fazer isso, nas duas direções, ao mesmo tempo. Então, eu ordenaria: “Comece”. Quando ele olhar para mim, incrédulo, eu digo: “Tudo bem, agora você pode PISCAR”: enfatizo o “piscar” com minha voz. Nesse exato momento, a pessoa piscará. Você pode imaginar que o cérebro está dizendo: “Que doideira é essa?”. Mas, quando ele ouve “Você pode piscar”, o cérebro diz: “Claro, dá pra fazer isso”. Agora, o interessante é como essa sugestão é aceita rápido. O mais interessante é que, se você pedir para essa pessoa esticar seu braço de novo, um minuto ou dois depois de sua primeira tentativa, na maioria dos casos, ela piscará, automaticamente, quando esticar o braço. Na verdade, estabeleceu-se o início de um padrão, em segundos. Se ela esticar o braço repetidas vezes e piscar umas quatro, cinco ou dez vezes por dia, desenvolverá o chamado reflexo condicionado, ou mau hábito.

Se, como eu acredito, uma reação condicionada pode ser produzida assim tão rápido, imagine o que acontece quando uma pessoa é criada ouvindo certas frases sobre limitações ou se certos tipos de incidentes dolorosos acontecerem repetidamente. Se, em questão de segundos, podemos aprender a esticar nosso braço direito e piscar ao mesmo tempo, o que aconteceria a uma criança ou a um adulto ouvindo algo sendo repetido à exaustão, quando ligado a uma demonstração de como eles devem se comportar.

Por exemplo, considere uma mulher que vê sua mãe bêbada o tempo todo e cujo pai diz: “Você é igualzinha à sua mãe, não seja assim”. A criança cresce e comporta-se exatamente como sua mãe enquanto se queixa de não querer ser assim, cumprindo os dois extremos da sugestão.

A combinação de sistemas de crença internos (causados por traumas, sugestões, ou o que for) e a repetição de padrões de comportamento que reforçam os sistemas de crença resultam, simplesmente, em um indivíduo preso e sem escolha. Você não deve olhar para o que o mundo faz para eles, mas o que eles fazem no mundo, baseados em que sistema de crença e em quais padrões. Como uma forma de hipnose foi usada para convencê-los de que existem coisas que não existem ou não existem coisas que existem, parece-me que outra hipnose seria a melhor conduta. Em suma, se uma pessoa realmente acreditasse que pode ter sucesso, não precisaria de você lhe dizendo: “Claro que você consegue ter sucesso”. Parece ridículo que alguém se torne, digamos, um psiquiatra ou um psicólogo, com anos e anos de estudos, e passe o tempo dizendo a um paciente algo óbvio como “Claro que você consegue ter sucesso. Existem oportunidades neste mundo”. Portanto, o problema real é como interromper o padrão de comportamento que continua a reforçar o sistema de crenças para ajudá-los a reconhecer outras escolhas disponíveis no mundo.

Embora a aplicação desses princípios seja tratada, especificamente, mais adiante neste livro, um caso selecionado ajudará você a amarrar o que já aprendeu até agora. Se estiver atado ao passado, esse caso o ajudará a cortar a corda, bem no , no passado e agora!


Padrões: sistemas de crença - estudo de caso

Pediram-me para ver um homem que sofria de uma dor insuportável, resultado de um câncer com metástase [2] nos ossos por todo o seu esqueleto. Além de seu nome, idade e diagnóstico, só sabia que a dor ficou tão severa que ele falava em suicídio, a medicação era cada vez menos eficaz e ele estava disposto a ver um hipnotizador, mas duvidava que a hipnose ou qualquer outra coisa pudesse ajudar. Baseado nessas informações, concluí que pedir para ele relaxar para ser hipnotizado, tentar ensiná-lo a controlar sua dor no início ou explicar teoria para ele seria o cúmulo da terapia ilógica. Concordei em ver o homem desde que todos os envolvidos — exceto o paciente — estivessem cientes e aceitassem que eu usaria métodos inesperados e não convencionais.

Quando eu cheguei à casa dele, fui levado, imediatamente, ao seu quarto e o encontrei de pé, curvado e demonstrando dor intensa. Seu rosto estava contorcido, seu corpo retorcido e emaciado. [3] Quando caminhei em sua direção, seu médico disse: “Esse é o doutor Heller, o hipnotizador de quem lhe falei”. Com um movimento fraco e aparentemente doloroso, ele estendeu a mão para me cumprimentar. Empurrei sua mão para o lado com a palma da minha mão direita e bati em sua testa com força o bastante para chacoalhá-lo. Ele me olhou chocado e incrédulo e disse: “Para que você fez isso?”. Com um tom de voz ríspido eu disse: “Bico fechado até eu pedir” (sem falar o que eu poderia pedir). Nesse ponto, ele estava de pé, quase ereto, e seu olhar de incredulidade e choque estava ainda mais aparente.

Continuei no mesmo tom e disse: “Agora vou pisar no seu pé e quebrar todos os seus dedos”. Ele implorava: “Por favor, não me machuque”. Respondi, duro: “Eu preciso machucar você”; e com isso, pisei com meu pé direito em seu esquerdo. Ele disse, não mais com uma voz fraca: “Não”. Respondi ainda mais ríspido: “Feche os olhos, inspire fundo e relaxe… Não posso machucar um homem de olhos fechados”. Ele fechou seus olhos em uma fração de segundo, inspirou fundo e expirou devagar. Enquanto ele expirava, comecei a falar devagar, seu rosto relaxou, depois seu corpo e, em um instante, ele não só estava confortável (ele tinha escapado de mim), como também entrou, de alguma forma, em estado de hipnose profundo.


Explicação do caso

Você pode ter se perguntado o porquê do comportamento maluco descrito acima. É uma boa questão, ainda bem que a fez. Como o problema atual do homem era dor insuportável, supus que, pelo menos em sua atual condição, ele estava em seu sistema cinestésico. Como afirmei antes, você pode ir aonde seu paciente está, isto é, encontrá-lo no mundo dele. Portanto, sabia que não só precisaria começar de alguma forma cinestésica, como de um modo que anulasse sua realidade cinestésica. Sabia também o que seu sistema de crença incluía: ele tinha dor, ela piorava, nada ajudava, todos tentavam fazer com que ele se sentisse melhor, mas não conseguiam. Pude supor, ainda, que ele tinha expectativas padronizadas sobre médicos, o que fazem e como agem, bem como sobre a dor.

O padrão de dor incluiria colocar toda ou a maior parte de sua atenção na dor, esperando que ela piorasse, ficando mais ansioso e deprimido, sem esperanças; portanto, aumentando sua percepção de dor. Meu comportamento interrompeu seus padrões, sua atenção foi da sua dor para meu comportamento maluco; ele parou de se preocupar com o que sentia e passou a se preocupar com o que eu faria e como ele se sentiria. Meu comportamento tinha uma “nuança” diferente do que ele esperava baseado em sua crença sobre os médicos, pois todos tentavam ajudá-lo a sentir menos dor, enquanto eu parecia decidido a provocar mais. Como o organismo humano foi criado para se proteger, quando ele teve essa opção (fechar os olhos, inspirar fundo, etc.), aproveitou. Logo que fechou os olhos, várias de suas crenças do passado mudaram ou estavam mudando. Ao fechar os olhos, ele pôde impedir algo de acontecer, em vez de acreditar que não conseguiria fazer nada para se ajudar, ou seja, seu sistema de crença sobre a dor começou a mudar.

Quando ele fechou os olhos e começou a relaxar, seu nível de dor diminuiu — algo que ele não achava possível. Ele aprendeu que poderia evitar mais dor, o que também o ensinou que poderia ter menos e ele pôde controlar algo a ver com a dor. A maioria de suas novas descobertas foi por inferência: [4] “feche os olhos, etc.” equivale a você poder fazer algo para evitar mais dor (eu pisando no pé dele). Se você puder sentir menos e evitar a dor, você pode controlá-la. Por fim, mas não menos importante, quando eu disse: “Bico fechado até eu pedir”, a resposta não estava ligada ao que ele perguntou. As palavras “bico fechado” e “até eu pedir” sugeriam que ele deveria se calar e eu pediria para ele fazer algo. Como resultado dessa abordagem “sutil”, o paciente não só ficou confortável e descobriu a esperança, como também conseguiu aprender auto-hipnose, a transformar sua dor cinestésica em imagens visuais e a se dissociar de seu corpo.


Padrões: prática

Agora, vou pedir aos terapeutas para interromperem seus padrões, bem como os de seus clientes/pacientes. Esses exercícios devem ajudá-los a expandir seus sistemas de crença ou apenas mudá-lo.

Prestem atenção às posturas corporais de seus clientes/pacientes quando eles discutem problemas e comparem-nas com as adotadas quando debatem algo prazeroso. Depois, quando eles entrarem em áreas problemáticas, interrompam-nos com educação e ajudem-nos a assumir a postura adotada quando conversam sobre coisas prazerosas. Eles, e vocês, podem descobrir que eles têm dificuldade em voltar ao problema. Peçam a alguns pacientes para falarem sobre seus problemas em uma cadeira específica e tirem-nos dessa cadeira em todas as outras conversas. Observem as mudanças, enquanto eles mudam de uma cadeira para a outra. Depois, quando eles discutirem um problema, interrompam-nos e peçam-lhes para descrever uma viagem agradável ou algo que fazem bem. Peça para outro paciente sorrir e rir enquanto discute um problema e observe o que acontece.

No caso do terapeuta, troque de cadeira com seu paciente, olhe para o outro lado enquanto ele fala sobre um problema e faça contato visual durante conversas agradáveis; tussa, repetidas vezes, durante a conversa sobre um problema, sorria durante uma conversa agradável e balance sua cabeça. Você poderá descobrir que seu paciente começa a entender, no inconsciente, que se sentir bem e ter pensamentos agradáveis chama sua atenção. Use falácias lógicas:


PT: Doutor, estou muito deprimido.

DR: Por falar em futebol, quem você acha que vai ganhar o campeonato? E, enquanto faz isso, inspire fundo várias vezes antes de fechar os olhos.


PT: Estou bem deprimido.

DR: Esplêndido! Fico feliz por você tirar isso do caminho. A propósito, em que colégio você estudou?


Comece a observar como se relaciona com os pacientes. Como cumprimenta as pessoas? Varie. Que expressões faciais mais usa? Misture-as e pratique novas. Aprenda a usar certos padrões de tom de voz e velocidade, ao discutir tópicos agradáveis. Depois, quando seu paciente estiver em um lugar ruim, use seu padrão tonal agradável. Sem seu paciente perceber, você interrompe seu padrão produtor de dor e ele logo se animará. Lembre-se, não existe hipnose sem transe, ou padrões sem projeto… ou talvez exista.


Fonte: Trechos extraídos do livro “Hipnose Não Existe? Monstros e Varinhas de Condão”, de Steven Heller, Ph.D. e Terry Lee Steele, Ed. Madras, pp. 97-106, 1987.

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Notas

[1]: Aproveitando este trecho em que é mencionado como os padrões podem nos boicotar, gostaria de sugerir a leitura de dois textos que tratam desse assunto de forma mais direta, e com exemplos diários em que nos sabotamos: “Palavrinhas que nos sabotam no dia a dia”; aqui está Parte 1 e aqui a Parte 2. Boa leitura! 😉 [Samej Spenser].


[2]: ME·TÁS·TA·SE: sf

1. MED Deslocamento de bactérias, vírus e especialmente células cancerosas, por via sanguínea ou linfática, do foco original para focos secundários.

2. RET Figura que consiste em transferir para outrem a responsabilidade de um ato condenável praticado pelo orador.

ETIMOLOGIA

gr metástasis. [SS].


[3]: E·MA·CI·A·DO: adj Que emaciou; extremamente emagrecido, extenuado.

ETIMOLOGIA

part de emaciar. [SS].


[4]: IN·FE·RÊN·CI·A: sf

1. Ato ou efeito de inferir; conclusão, ilação, indução.

2. LÓG Operação por meio da qual se chega a uma conclusão ou se faz um raciocínio lógico com base em evidências circunstanciais e em conclusões já tidas como verdadeiras, e não com base na observação direta.

3. POR EXT Proposição que, em decorrência dessa operação, se admite como verdadeira.

EXPRESSÕES

Inferência imediata, LÓG: aquela que, à conclusão, antecede uma única premissa que se obtém por um processo de conversão e de oposição das proposições.

ETIMOLOGIA

der da alt do lat inferens, -ntis+ia2, como fr inférence. [SS].



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