Perguntas e Respostas sobre a Hipnose

Perguntas e Respostas sobre a Hipnose

Samej Spenser
Show de Hipnotismo (1956) | Pinterest





Como o homem descobriu o hipnotismo?

Embora ainda desconheçamos muita coisa a respeito das origens do hipnotismo, sabemos que sua utilização é muito antiga. Em alguns antigos escritos, blocos de argila, desenhos em cavernas, etc., há óbvias referências a práticas que hoje podemos considerar como sendo formas de hipnotismo.

O conhecimento do hipnotismo através dos anos avançou tanto por acaso como intencionalmente. Como boa parte da ciência do homem primitivo, que começou por acaso, observou-se que o fenômeno do transe ocorreu acidentalmente ou não-acidentalmente em circunstâncias específicas. A princípio, esses transes foram, provavelmente, do tipo negativo, causado por reações de medo em batalhas ou na vida diária.[1]

Certos homens (sacerdotes, xamãs, pajés, etc.) descobriram que, duplicando determinados estímulos da primeira experiência que provocou o transe, podiam, por esse meio, induzir artificialmente um transe. Esses métodos se transformaram em rituais através das experiências de tentativa e erro. Eles funcionavam na maioria das vezes, mas não se sabia exatamente por quê. Depois de muitos séculos de indução de transes por esse meio, descobriu-se também como induzir transes positivos. Pelo fato de serem mais benéficos os efeitos desse tipo de hipnotismo, médicos e verdadeiros cientistas se interessam por ele.

Alguns pensadores progressistas e cuidadosos observadores foram capazes, durante séculos, de analisar as razões precisas que tornaram vários métodos de indução bem-sucedidos. Com o passar do tempo, tornou-se possível eliminar alguns dos “ornamentos” não essenciais nas técnicas. O constante aperfeiçoamento da metodologia continua em nossos dias e, por certo, continuará no futuro.

 

Qualquer pessoa pode ser hipnotizada?

Até recentemente acreditava-se que somente algumas pessoas podiam ser hipnotizadas. Essa conclusão baseava-se no incômodo método do sucesso-ou-fracasso do hipnotismo usado nos primeiros tempos e nos hipnotizadores de palco que se apressavam em desprezar os pacientes mais difíceis para só usar os mais fáceis. Isso dava a impressão de que as pessoas se dividiam em “bons” ou “maus” pacientes para o hipnotismo.

Enquanto se aplicou o hipnotismo de acordo com essa crença, surgiu naturalmente a suposição de que, se não se obtivessem de imediato reações espetaculares por parte do paciente, pouco ou nenhum grau de hipnose estaria presente. Essa atitude levou a um entendimento muito limitado do hipnotismo.

Avanços mais modernos em nosso conhecimento sobre hipnologia vêm dando origem a conclusões diferentes. Como as técnicas de indução foram aprimoradas e diversificadas, descobriu-se que praticamente todas as pessoas podem ser hipnotizadas desde que necessitem ou queiram.

Algumas vezes, mesmo quando é impossível induzir o transe por meios verbais, métodos não verbais foram desenvolvidos e, dessa forma, surdos-mudos e mesmo retardados mentais podem hoje ser hipnotizados. Embora nem sempre seja possível “sugerir” muito, no sentido convencional, o valor terapêutico não é de todo perdido.

Pesquisas atuais sobre o hipnotismo afastaram muitas das antigas suposições, e isso é especialmente verdadeiro quanto às ideias antiquadas sobre suscetibilidade ao hipnotismo.[2]


Show de Hipnotismo (1956) | Pinterest





Qualquer pessoa pode se tornar um hipnotizador?

Uma vez que o hipnotismo é uma ciência, seria prudente dizer-se que qualquer um poderia adquirir conhecimentos e tentar tornar-se um hipnotizador. Porém, pelo fato de o hipnotismo clínico moderno requerer uma inusitada prática na comunicação interpessoal, é claro que nem todos são temperamentalmente adequados para isso.

Da mesma forma que qualquer um pode ser hipnotizado por alguém, certamente qualquer um pode aprender a hipnotizar alguém. Nesse sentido, “qualquer um” pode se tornar um “hipnotizador”. Entretanto, em qualquer sentido profissional ou prático, isso requer muito mais do que um simples know-how.

No passado, muitos hipnotizadores bem-sucedidos foram indivíduos que naturalmente possuíam certas características de personalidade que inspiravam confiança, temor ou submissão nos outros. Essas pessoas conseguiam aprender algumas técnicas limitadas por intermédio das quais podiam hipnotizar sujeitos cuidadosamente selecionados. Usando “testes” sutis (alguns dos quais não tanto sutis) eles podiam escolher os pacientes mais suscetíveis de um grupo e desprezar os demais. Isso fazia com que obtivessem sucesso com uma pequena porcentagem de pessoas, um relativo sucesso com uma grande maioria e serem completamente ineficientes com algumas.

A ciência hipnológica moderna não confia muito nas “sugestões de prestígio” como acontecia com os métodos mais antigos, mais autoritários, de indução do transe. Para se tornar capaz de hipnotizar com sucesso mais de noventa por cento das pessoas (não apenas algumas pessoas escolhidas dentre um grupo de voluntários) é preciso um bocado de conhecimento e experiência, aliado à habilidade para estabelecer um relacionamento imediato, ou um senso de confiança e de aceitação mútua.





“(…) Hipnotizar se aprende, é um processo psicológico que não requer qualidades sobre-humanas do hipnotizador. É uma técnica que pertence aos funcionalismos perceptuais motores. Como dirigir um carro ou ligar uma máquina de lavar. Claro que mais delicado, porque vai funcionar com a mente das pessoas. De modo que você pode ser um hipnotizador. A partir de então, terá de ver se consegue ser um bom hipnotizador, como acontece em qualquer atividade ou técnica que se aprende.
Para o conhecimento da hipnose não há atalhos. A natureza não dá saltos. Você precisa caminhar pouco a pouco, aprendendo bem, praticando tudo o que for aprendendo, cometendo erros e corrigindo-os. É uma técnica, não magia.
Qualquer pessoa pode aprender a hipnotizar? Em princípio, a resposta é sim. Hipnotizar é uma técnica como qualquer outra. Para aprender a dirigir, por exemplo, precisamos de preparação teórica e prática. Aprender a hipnotizar requer o mesmo processo teórico e prático. Obviamente, haverá pessoas com mais facilidade que outras. Quase todo mundo pode dirigir um carro, mas nem todos participam de corridas.
Horacio Ruiz, em “Guia Prático de Hipnose”, pp. 98-99.





Quantos métodos de hipnotismo existem?

Há dois métodos básicos. Um é a indução do transe negativo, ou ergotrópico, pela estimulação do que é chamado de “síndrome da estafa”.[3] Isso pode ser feito de várias maneiras, porém todas são muito estimulantes e podem ter efeitos psicossomáticos danosos.

O outro método básico, mais popular hoje em dia, é a indução do transe positivo pela estimulação do sistema nervoso parassimpático. Esse processo gera um estado de profundo relaxamento que resulta numa situação de tranquilidade, equilíbrio e harmonia interiores.

Dentro dos limites dessas duas abordagens básicas, a extensão do método de indução é limitada apenas pela imaginação do hipnotizador.[4] Centenas de métodos provavelmente foram imaginados, mas alguns poucos se tornaram regulares na prática atual. Devemos lembrar que todos os estados de transe produzidos por qualquer dos dois métodos básicos (chamados “autoritários” no primeiro método e “permissivos” no segundo, ou qualquer variação destes) são, por essência, temporários. O corpo não pode suportar indefinidamente qualquer excesso, razão pela qual volta ao normal sozinho.

Durante os últimos duzentos anos, houve muitas escolas de pensamento interessadas em hipnotismo. Cada uma observava o fenômeno de um ponto de vista diferente e, dessa forma, desenvolvia uma teoria diferente. Isso levou-as a imaginar métodos de indução que pareciam compatíveis com aquelas teorias. Muitas teorias antigas foram refutadas ou descartadas com o passar do tempo, mas os dois métodos básicos ainda prevalecem. Entretanto, no que diz respeito à amplitude dos vários métodos de indução, podemos realmente dizer que, se alguém possui o conhecimento moderno, “não há nenhum modo pelo qual não se possa hipnotizar uma pessoa!”

 

O que significa magnetismo animal e qual a sua relação com o hipnotismo?

O magnetismo animal é o nome de uma das teorias refutadas e descartadas utilizadas para explicar os fenômenos hipnóticos em termos da força “magnética” que existe dentro do corpo. Por certo tempo, ela foi popular para induzir o transe por intermédio de vários “passes” ou passagens das mãos por cima da cabeça ou do corpo do paciente, em contato com ele ou não. Admitindo-se que os fenômenos hipnóticos eram essencialmente “magnéticos”, acreditava-se que o método de passes alterava ou controlava o “fluxo de magnetismo” do hipnotizador para o paciente.

Quando a teoria do “magnetismo animal” foi desacreditada, tornou-se conhecida como “mesmerismo”, segundo seu fundador Franz Anton Mesmer, que a tinha popularizado nos anos 70 do século XVIII. Mesmo depois de desacreditada na Europa, ela se difundiu na América em meados do século XIX e tornou-se um tema corriqueiro nos meios de entretenimento, consequentemente influenciando em muito a ideia do público quanto ao hipnotismo. Os experimentos mesméricos foram temas das obras Trilby, de DuMaurier, e The Strange Facts in the Case of M. Valdemar, de Edgar Allan Poe.

A palavra “hipnotismo” foi cunhada por James Braid em meados do século XIX para fugir do estigma que era associado com os termos “magnetismo animal” ou “mesmerismo”. Na verdade, a palavra hipnotismo estava fundamentada na falsa ideia de que o fenômeno era uma forma específica de sono. (A palavra grega hypnos significa “sono”.) Mas logo se descobriu que o hipnotismo tinha pouco a ver com o sono bem como com o magnetismo.[5]

Embora tanto Mesmer como Braid estivessem enganados quanto à essência do hipnotismo, seus métodos (“passes”, fixação do olhar numa luz brilhante, etc.) ainda produzem efeitos, muito embora a maioria dos hipnotizadores os considerem embaraçosos, inconvenientes e obsoletos.

 

Há alguma verdade no magnetismo animal ou mesmerismo?

Mesmer foi um médico que representou o máximo da educação e da cultura de sua época.[6] Ele fez notáveis descobertas e foi o pioneiro numa nova área da ciência comportamental; é uma das tragédias da história que os homens de “ciência” de seu tempo o tenham ridicularizado até praticamente esquecerem o assunto. As teorias de Mesmer foram desacreditadas simplesmente por não ter havido provas da existência do “magnetismo animal”.

Embora essas teorias de “magnetismo” fossem falsas, certamente os resultados produzidos pelo método de Mesmer foram concretos e merecedores de estudo científico. O fato de os métodos, bem como a teoria, terem sido objeto de escárnio, provavelmente fez retroceder a ciência do verdadeiro hipnotismo em cerca de, pelo menos, uma centena de anos.

Os métodos de indução de transe de Mesmer estão, hoje em dia, virtualmente fora de uso pelo fato de haverem sido descobertos métodos mais rápidos e mais eficientes. As teorias “magnéticas” e seus complementos, as teorias da “emanação”, foram inúteis para a experimentação. Agora compreendemos os aspectos psicológicos do hipnotismo e reconhecemos os “passes” como formas não verbais de sugestão.

Na medida em que as observações de Mesmer foram cuidadosamente registradas, naturalmente há alguma “verdade” nelas. Da mesma forma, tendo em vista que elas foram eficientes, podemos admitir que existe alguma “verdade” nos métodos. Entretanto, o mesmerismo foi inadequado e enganador como uma teoria para fomentar a nossa compreensão científica dos fenômenos hipnóticos e, por conseguinte, nesse sentido, “inexato”.

 

O hipnotismo é apenas uma questão de sugestão?

Deve-se ter em mente que “sugestão” é simplesmente uma das teorias para explicar a hipnose. Talvez devêssemos ser cuidadosos no sentido de admitir que o hipnotismo é “apenas” uma questão de sugestão, até que tenhamos um entendimento mais amplo do que é “sugestão”.

Em pesquisas realizadas nos EUA, os mais renomados pesquisadores voltaram suas atenções para o aspecto da “sugestão” da hipnose, enquanto, em outros países, as pesquisas são conduzidas no sentido dos (admitidos) aspectos não sugestivos da hipnose. Portanto, falar de hipnose apenas do ponto de vista da “sugestão” pode forçar uma visão demasiado restrita do assunto. A sugestão pode ser apenas uma pequena parte de um processo mais complexo nos fenômenos da hipnose.

Parece que a hipnose é um estado psicofísico que aumenta a percepção e a sugestibilidade da pessoa, e o fato de ser geralmente induzido por sugestão pode ser considerado um artefato histórico.

A hipnose é um fenômeno complexo. Provavelmente, é um erro simplista pensar nela como uma coisa “apenas”, seja ela qual for.[7]

 

Há realmente leis para a sugestão?

Émile Coué e Charles Baudouin desenvolveram o que é conhecido hoje como “leis da sugestão”. Coué foi um farmacêutico francês pioneiro na teoria e na prática do “efeito placebo”, até quando desenvolveu um método de tratamento e de auto-aperfeiçoamento eficaz. Infelizmente, seu trabalho foi ultra-simplificado e, por conseguinte, muito subestimado. Coué era mais um prático do que um teórico e deixou ao seu discípulo, Charles Baudouin, a tarefa de articular os seus ensinamentos num sistema lógico de “leis”.

Descobriu-se que, basicamente, todos os efeitos da sugestão poderiam ser resumidos em três princípios e satisfatoriamente explicados através deles. Esses três princípios se mostraram tão precisos (tão válidos e tão confiáveis) que podem ser, de fato, considerados “leis” da sugestão. Eles são descritivamente denominados de Lei da Atenção Concentrada, Lei do Sentimento Dominante e lei do Esforço Contrário.

Sim, certamente há “leis” de sugestão e esse é um dos fatores que fazem do hipnotismo uma ciência. Não há mais necessidade de qualquer suposição quanto a isso se as três leis forem seguidas corretamente.

 

Shrout, Richard N.“Hipnose Científica Moderna” — 1985, Ed. Pensamento, pp. 98-104.



Notas

⚠ Todas as notas foram adicionadas por Samej Spenser. ⚠


[1]: Para mais informações sobre transe negativo e positivo, sugiro a leitura do texto “Perguntas e Resposta sobre o Transe Hipnótico”. Você pode acessar o texto neste link.

[2]: Particularmente eu, Samej Spenser, concordo com este parágrafo, pois acredito que as tais diversas Escalas de Suscetibilidade Hipnótica mencionadas nos livros e artigos correspondem apenas à parcela de indivíduos testados, dentro daquela única metodologia e/ou técnica empregadas na ocasião. Se mudarmos a metodologia, e/ou a técnica, e/ou o hipnotizador, e/ou o motivo e etc., é bem capaz que consigamos atingir resultados hipnóticos positivos com praticamente todo ser humano física e mentalmente são!

[3]: A Síndrome da Estafa Profissional, ou Síndrome de Burnout, descrita em 1974, é uma doença psicológica caracterizada por um sentimento de fracasso, exaustão emocional, redução da realização pessoal e insensibilidade do indivíduo em relação ao seu trabalho e todos aqueles envolvidos no exercício de sua profissão. | Brasil Escola.

[4]: Itálico por Samej Spenser.

[5]: É válido apresentar aqui alguns pontos. A palavra “hipnotismo” foi cunhada não apenas para “fugir” de qualquer associação com o mesmerismo e/ou magnetismo animal; mas também para diferenciar do que ocorria na época. O mesmerismo havia se tornado “banal”, relegado às apresentações circenses, enquanto que o que Braid pretendia era manter a “seriedade”, buscando o respeito científico.

O próprio Braid percebeu seu equívoco na nomenclatura quando se deu conta de que o fenômeno estava mais para o “acordado” do que para o “sono”, e procurou alterar a nomenclatura para “monoideísmo” (ideia fixa numa única coisa, regra básica de sua famosa indução, a “fixação do olhar”), porém o termo “hipnotismo” já havia se vulgarizado e acabou permanecendo até os dias atuais. Vale mencionar também que Braid nunca utilizou o termo “hipnose”; termo esse que surgiu após a morte de Braid. É possível encontrar as nomenclaturas sugeridas pelo próprio Braid em seus livros; ou mesmo neste texto.

Hipnos ou Hypnos (em grego: Ὕπνος, transl.: Hypnos, lit. “sono”), na mitologia grega, era o deus do sono. Personificação do sono, e da sonolência; mas não do cansaço no que diz respeito à fadiga. Hipnos é um dos daemons gregos: deuses que interferem no espírito dos mortais. Segundo a Teogonia de Hesíodo, ele é filho sem pai de Nix (Νύξ), a deusa da noite; outras fontes dizem que o pai é o Érebo (As Trevas Primordiais, que personifica a escuridão profunda e primitiva que se formou no momento da criação). Tem nove irmãos, entre os quais o mais importante é seu gêmeo Tânato, (Θάνατος) a personificação da morte. | Wikipédia.

[6]: No link a seguir, você encontra uma conversa realizada com um pesquisador brasileiro que escreveu um verdadeiro tratado sobre Mesmer, tendo estudado literalmente nos escritos manuais do próprio Mesmer. Vale muito a pena separar um par de horas para se deleitar com o bate-papo! Bate-Bola Hipnótico #11 - Mesmer: Verdade Histórica | YouTube.

Paulo Henrique Figueiredo, autor do livro “Mesmer - A Ciência Negada e os Textos Escondidos”.


“Bate-Bola Hipnótico #11 - Mesmer: Verdade Histórica” | YouTube.


[7]: Negrito por Samej Spenser.

 


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