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O silêncio que pairava no ateliê de provas era o oposto completo do caos criativo de onde Noah vinha. Enquanto os outros candidatos estavam dispostos em suas mesas organizando tesouras, réguas e tecidos impecáveis, Noah se perdia em sua mala com roupas. O que funcionaria melhor para o tema de sua prova?
Um frio percorreu sua espinha. Mesmo com mais de 20 pessoas na sala, o silêncio era quase total - o que se salvava era o som dos cortes precisos invadia seu ouvido, tudo organizado demais! Aquele ambiente ordeiro e quieto era seu pesadelo pessoal. Ele trabalhava no ruído. No maximalismo, na sobreposição de sentidos – uma música de K-pop sincopada num fone de ouvido, a tela do celular piscando com notificações do TikTok, cinco ideias ao mesmo tempo.
Sua maior dúvida, enquanto desembrulhava seu "kit de sobrevivência", não era sobre sua habilidade, mas sobre a recepção da sua filosofia. Enquanto a maioria trabalhava com metros de tecido cru, sua mesa era um brechó em miniatura. Um blazer militar coreano dos anos 90, com cheiro de naftalina e história. Um pedaço de seda de um hanbok descartado pela avó, com suas cores desbotadas pelo tempo. Retalhos de camisas, jeans rasgados e fitas vintage... Ele não estava criando do zero; estava ressignificando.
Para Noah, garimpar em brechós era mais do que um hobby era uma forma de viver as histórias alheias. Sua própria família era um museu de aparências vazias, sem álbuns de fotos autênticos ou receitas de família. Não havia cheiro de comida caseira na mansão, só o aroma esterlizado de um chef contratado. Mas ele havia deixado isso tudo para trás, e agora buscava a humanidade que lhe faltava nos outros: nas costuras de uma jaqueta de um veterano desconhecido, no bordado delicado de um vestido de noiva dos anos 80. Ele caçava a história que sua linhagem havia tentado apagar em troca de um status frio e novo.
O tema, "Raízes e Asas", ecoou em sua mente como um diagnóstico. Sua peça final seria uma narrativa visual dessa contradição. Ele imaginou uma silhueta que começava no maximalismo das "raízes" – uma celebração da história coreana, da complexidade familiar, com sobreposições de tecido, bordados intrincados e cores terrosas da seda do hanbok – e que, gradativamente, se transformava em um minimalismo disruptivo e urbano. As "asas" seriam a quebra, a libertação: cortes limpos, o crop top estruturado do casaco militar, a austeridade do couro. Era a representação do apagamento cultural que sua família havia praticado: da riqueza tradicional e complexa para a simplicidade vazia e globalizada que eles abraçaram.
As mãos suavam. Ele não costurava há tanto tempo quanto gostaria, e a visão de candidatos cortando tecidos com uma confiança de mestre lhe deu um nó no estômago. Seus acabamentos seriam seu calcanhar de Aquiles. Mas não havia tempo para o pânico. O cronômetro começou. Ele pôs seu fone de ouvido, e o mundo exterior desapareceu. Era difícil para Noah não se divertir enquanto executava um projeto... as quatro horas passaram voando.
Cada ponto dado era uma decisão. Ele desconstruiu o casaco, afrouxando sua estrutura rígida, transformando-o em um crop top estruturado. Da seda, criou caldas fluidas e assimétricas que lembravam as saias tradicionais do hanbok, mas com a ousadia de um harness de couro que ele mesmo tingiu. Em meio a esse processo era impossível não notar o quanto dele havia ali: a busca de um passado diferente do que os pais insistiam em vender, um cheio de texturas e imperfeições, mas que lhe dava estrutura sólida para se lançar. Chegava a ser engraçada a forma com que Noah se sentia em casa produzindo daquela forma - tão diferente de como se sentia tentando executar os papeis que seus pais insistiam em lhe dar; administrador, engenheiro, orador... nisso ele era completamente analfabeto
Ao final, segurando a peça completa, ele não via apenas uma roupa. Na verdade era uma espécie de diário, e Noah sempre ficava feliz por conseguir se expressar. Era difícil para ele encontrar palavras para seus sentimentos, mas aquele conjunto expressava coisas que ele nem sabia que carregava. Na apresentação, justificou cada escolha com uma convicção que surpreendeu a si mesmo. Falou sobre sustentabilidade como um ato político, sobre a beleza de dar novo significado ao que foi descartado, tanto quanto às tradições. Sua execução talvez não fosse a mais impecável, mas a ideia era potente - e agora a aprovação da banca era apenas um detalhe. No fim, entre os seus 19 concorrentes, Noah não era um dos mais experientes e com o resultado mais polido, mas estava entre as ideias mais criativas e bem justificadas.