Traumas, tragédias e saúde mental - Psicóloga Maitê Hammoud - Saúde
www.maitehammoud.com.br - Maitê HammoudTraumas, tragédias e saúde mental
Diante da exposição direta ou indireta a tragédias como desastres naturais, massacres, atentados, sequestros e outras situações de violência, quais as consequências para nossa saúde mental? Em alguns casos, são desenvolvidos traumas, ou o chamado Estresse Pós-Traumático.
Uma nova semana acaba de se iniciar, mas será que a iniciaremos da mesma maneira que iniciamos a anterior? A semana que passou foi marcada por inúmeras tragédias que geram traumas em muitos e, mesmo aqueles que não costumam possuir o hábito de acompanhar jornais e notícias, se viram sentados em frente à TV tentando mais do que assimilar fatos, mas principalmente, associar dentro de si a quantidade de óbitos decorrentes de massacres, ataques terroristas, desastres naturais e não naturais.
Do que estamos falando? Vamos elaborar uma pequena retrospectiva para aqueles que perderam alguma das tristes notícias:
- 10/3/19: Um avião do modelo Boeing 737 MAX cai poucos minutos após decolar na Etiópia. O acidente deixou 157 mortos e é o segundo dentro de 5 meses deste mesmo modelo.
- 11/3/19: Fortes chuvas isolaram cidades de São Paulo deixando alguns bairros literalmente debaixo d’água, além de provocar inúmeros alagamentos. Foram 750 chamadas registradas pelo corpo de bombeiros e registro de 12 mortos.
- 13/3/2019: 2 ex alunos invadem a escola Raul Brasil, localizada em Suzano, portando grande quantidade e variedade de munição e indiscriminadamente iniciam um massacre, deixando 10 mortos (incluindo atiradores). Há vítimas que ainda se encontram hospitalizadas.
- 14/3/19: Na Nova Zelândia, um terrorista transmite ao vivo em sua rede social seus próprios passos e disparos: invade duas mesquitas em horários oportunos deixando 49 mortos.
Diante de tantas tragédias que surpreendem a todos em nível internacional em uma única semana, quais aspectos de nossa saúde mental demandam cuidados e atenção neste momento?
Frequentemente recebo pacientes que se queixam de quadros persistentes de depressão ou ansiedade e, ao investigar seu histórico, identifico que estes quadros são decorrentes da ausência no passado de cuidados diante de algo manifestado anteriormente: transtorno de estresse pós-traumático. E, por muitos já terem vivenciado traumas há muito tempo, sequer associam que o que enfrentam agora deriva-se de resíduos que não foram cuidados em seu passado.
O que é o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)?
O transtorno de estresse pós-traumático é um dos transtornos de ansiedade que, como o próprio nome sugere, se manifesta após a exposição a um evento traumático que ameaçou sua integridade ou a de terceiros. Trata-se de fatos que despertaram medo, horror, desamparo e principalmente temores sobre sua própria vida.
Quais os sintomas característicos da manifestação de um quadro de TEPT?
Entre os diversos sintomas que o TEPT pode desencadear, vale mencionar como principais:
- lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias dos traumas;
- sonhos angustiantes;
- reações dissociativas (flashbacks), nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento estivesse ocorrendo novamente;
- sofrimento psicológico intenso e prolongado;
- evitação persistente de estímulos associados ao evento como, por exemplo, esforçar-se para evitar recordações e lembranças, evitar lugares ou meios de transporte;
- incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento (ter um “branco”, “lacunas de memórias”);
- crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo;
- estado emocional negativo e persistente (medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha);
- cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento, que levam o indivíduo a culpar a si mesmo;
- redução de interesse e participação em atividades;
- distanciamento emocional;
- comportamento irritadiço;
- surtos de raiva;
- comportamento imprudente ou autodestrutivo;
- hipervigilância;
- prejuízos na concentração;
- perturbações do sono.
Que tipo de situações frequentemente manifestam sintomas e evolução do quadro de TEPT?
Qualquer situação que possa ameaçar a integridade de alguém pode favorecer o desenvolvimento de TEPT, mas algumas delas são fortes indicadores do desenvolvimento do transtorno:
- agressão física
- assalto
- furto
- abuso sexual (estupro, penetração sexual forçada, penetração sexual facilitada por álcool/drogas, abuso sexual infantil)
- sequestro ou ser mantido como refém
- ataque terrorista
- tortura
- desastres naturais (enchentes, terremotos, furacões)
- acidentes (automobilísticos, aéreos)
Apenas as vítimas afetadas diretamente a situação de traumas podem desenvolver este transtorno?
A resposta é não! Qualquer pessoa que tenha sido direta ou indiretamente exposta a traumas pode desenvolver sintomas que evoluam para uma manifestação do quadro e, quando mencionamos pessoas indiretas, consideram-se até mesmo: familiares, amigos, ou aqueles que possam ter sido expostos inúmeras vezes aos relatos ricos em emoções e detalhes, no caso de socorristas, policiais, voluntários e até mesmo expectadores que acompanharam a notícia na íntegra participando a distância de toda movimentação.
Porque este movimento ocorre?
Aqueles que não foram vítimas diretas, mas que testemunharam o fato ou que possuem um forte vínculo com a vítima, sofrem dos mesmos temores intensamente, tornando-se real em sua memória e fantasia a construção do crime ou tragédia. Enquanto os profissionais e expectadores, ao receberem uma extensa carga de informações ricas e detalhadas, carregadas de emoções, não conseguem, muitas vezes, impedir a construção da experiência com muita vivência e intensidade em sua mente, ou então, projetam tais sensações vividas na experiência imaginada como possível de ocorrer a qualquer momento em sua vida.
Tratamento
Principalmente quando nos deparamos com grandes grupos que foram expostos a uma tragédia como no caso da escola de Suzano, é possível realizar trabalhos em grupo através da psicoterapia breve focal, onde serão utilizadas técnicas como a EMDR e TFT. A contribuição em grupo permite que aqueles que o integra através da percepção de cada um consiga integrar fragmentos de memórias, ressignificar culpas, medos e, utilizadas estas técnicas, é possível que a memória vivida, intensa e colorida da tragédia vá perdendo a cor e, em algumas aplicações, deixe de ser uma lembrança incomoda, intrusiva, persistente e presente para aquela pessoa.
Durante a vivência em grupo, é possível compartilhar também ideias que de alguma maneira façam aquelas pessoas encontrarem uma forma de simbolizar e elaborar o que gerou seus traumas. O gesto é fundamental para elaboração do luto podendo ser um memorial, plantio de árvores, as fotos das vítimas, tendo o sentido de homenagem e respeito por suas memórias.
Além de trabalhos em grupo, é indicado que exista a busca pelo psicólogo para psicoterapia breve focal individual (que costuma envolver 12 sessões) a qual mantém seu foco na vivencia da experiencia traumática, prevenindo a evolução do quadro de transtorno de estresse pós-traumático e, como mencionei no início do artigo, prevenindo que posteriormente a pessoa sofra por quadros intensos de ansiedade ou depressão.
O acompanhamento e amparo psicológico precoce reduz significativamente o desenvolvimento de TEPT ou outros transtornos mas, quando os sintomas demonstram-se persistentes e contribuem para prejuízos nos aspectos emocionais, físicos e sociais é indicado que um médico psiquiatra realize uma avaliação para verificar a necessidade de suporte medicamentoso.
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