TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO.

TEMPO COMUM. TRIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO.

Francisco Fernández Carvajal

64. UM SÓ É O VOSSO PAI

A paternidade de Deus.

A participação na paternidade divina.

Apostolado e paternidade de espírito.

 

I. JESUS FALA ÀS MULTIDÕES e aos seus discípulos da vaidade e dos desejos de glória dos fariseus, que fazem todas as suas obras para serem vistos pelos homens [...] e cobiçam os primeiros lugares nos banquetes, e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações na praça, e que os homens os chamem mestres. Mas há um só Mestre e um só Doutor, Cristo. E um só Pai, que está nos céus 1.

De Cristo nasce toda a sabedoria; só Ele é o “Mestre que salva, santifica e guia, que está vivo, que fala, que exige, que comove, que corrige, julga e perdoa, que caminha diariamente conosco na História; o Mestre que vem e virá na glória”2. O ensinamento da Igreja é o de Cristo, os mestres o são na medida em que são imagem do Mestre.

De maneira semelhante, dizemos que há um só Pai, que está nos céus, de quem deriva toda a paternidade no céu e na terra: ex quo omnis paternitas in caelis et in terra nominatur 3. Deus tem a plenitude da paternidade, e dela participaram os nossos pais ao dar-nos a vida, como também aqueles que de alguma maneira nos geraram para a vida da fé. São Paulo escreve aos primeiros cristãos de Corinto como a filhos caríssimos. Pois – diz-lhes –, ainda que tenhais dez mil pedagogos em Cristo, não tendes muitos pais. Pois fui eu que vos gerei em Jesus Cristo por meio do Evangelho. Rogo-vos, pois, que sejais meus imitadores 4. E aqueles primeiros cristãos eram conscientes de que, ao emularem São Paulo, se convertiam em imitadores de Cristo. Viam refletido no Apóstolo o espírito do Mestre e o cuidado amoroso de Deus-Pai para com eles.

“Daí que a palavra «Pai» possa empregar-se num sentido real não só para designar a paternidade física, mas também a espiritual. Chamamos o Romano Pontífice, com toda a propriedade, «Pai comum de todos os cristãos»”5. E quando honramos os nossos pais e aqueles que nos geraram para a fé, damos muita glória a Deus, pois neles reflete-se a paternidade divina.

 

II. SÃO PAULO ESCREVE aos primeiros cristãos da Galácia com acentos de pai e de mãe, ao ter notícia das dificuldades que enfrentavam pela fé e ao experimentar a impossibilidade de atendê-los pessoalmente por encontrar-se fisicamente distante: Filhinhos meus, por quem sinto de novo as dores do parto, até que Jesus Cristo se forme em vós 6, como uma criança se forma no seio materno. O Apóstolo sentia dentro de si as preocupações de um pai com os seus filhos necessitados.

Na Igreja, são considerados pais aqueles que nos geraram na fé mediante a pregação e o Batismo7. Dessa paternidade espiritual participam os cristãos que tenham ajudado os outros – quantas vezes também com dor e fadiga!

– a encontrar Cristo. É uma paternidade tanto mais plena quanto maior é a entrega a essa tarefa. Assim, Deus manifesta a sua paternidade atuando através dos cristãos “como um mestre que não só ensina os seus discípulos, mas torna-os capazes de ensinar a outros”8.

Esta paternidade espiritual é uma parte importante do prêmio que Deus concede nesta vida aos que o seguem, por vocação divina, numa entrega plena. “Ele é generoso... Dá cem por um; e isso é verdade, mesmo nos filhos. – Muitos se privam deles pela glória de Deus, e têm milhares de filhos do seu espírito. – Filhos, como nós o somos do nosso Pai que está nos céus”9.

Lembremo-nos de que esta missão de paternidade espiritual “implica também essa cordial ternura e sensibilidade de que tão eloqüentemente nos fala a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), ou igualmente a da ovelha extraviada e a da dracma perdida. O amor misericordioso, portanto, é sobremaneira indispensável entre aqueles que convivem mais intimamente: entre os esposos, entre pais e filhos, entre amigos; é de igual modo indispensável na educação e na pastoral”10.

Lembremo-nos também de que a Virgem Maria exerce a sua maternidade sobre todos os cristãos e sobre todos os homens11. DEla aprendemos a ter uma alma grande no trato com aqueles que continuamente procuramos levar ao seu Filho, e que de certo modo geramos para a fé. Santo Ambrósio faz “umas considerações que à primeira vista parecem atrevidas, mas que têm um sentido espiritual claro para a vida do cristão. Segundo a carne, uma só é a Mãe de Cristo; segundo a fé, Cristo é fruto de todos nós (Santo Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam, 2, 26).

Se nos identificarmos com Maria, se imitarmos as suas virtudes, poderemos conseguir que Cristo nasça, pela graça, na alma de muitos que se identificarão com Ele pela ação do Espírito Santo. Se imitarmos Maria, participaremos de algum modo da sua maternidade espiritual: em silêncio, como Nossa Senhora; sem que se note, quase sem palavras, com o testemunho íntegro e coerente de uma conduta cristã, com a generosidade de repetir sem cessar um fiat – faça-se – que se renova como algo íntimo entre nós e Deus”12.

 

III. SÃO PAULO, identificado com Cristo, tornou suas as palavras do Senhor: Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas 13. Por isso alude emocionadamente à sua solicitude por todas as igrejas 14, por todos os convertidos à fé através da sua pregação. Mantê-los no caminho e ajudá-los a progredir nele era uma das suas maiores preocupações e, em algumas ocasiões, um dos seus maiores sofrimentos. Quem está enfermo que eu não enferme? Quem se escandaliza que eu não me abrase? 15 O Apóstolo é um modelo sempre atual para todos os pastores da Igreja na sua solicitude pelas almas que Deus lhes confiou, e também para todos os cristãos no seu apostolado constante, pois, “como pais em Cristo, devem cuidar dos fiéis que geraram espiritualmente pelo batismo e pela pregação”16.

O amor por aqueles que aproximamos de Cristo não é uma simples amizade, mas identifica-se com “o amor de caridade, o mesmo amor com que o Filho de Deus encarnado os ama. É por isto, e só por isto, que Cristo no-lo deu a cada um de nós, para que pudéssemos dá-lo aos outros [...]. O amor pelos nossos irmãos gera em nós o mesmo desejo que gera o do Filho: o de promover a santificação e a salvação dos outros”17.

Isto leva-nos a amá-los mais e a ser cuidadosos em proporcionar-lhes tudo o que possa ajudá-los a caminhar para a santidade: o exemplo, a correção fraterna quando for oportuno, a palavra amável que anima, a alegria, o otimismo, o conselho que orienta nas dificuldades... E sempre deveremos oferecer-lhes a ajuda mais eficaz de todas as que lhes podemos prestar sem que o saibam: a da oração e da mortificação.

Este amor “comporta sempre uma singular disponibilidade para derramar-se sobre todos os que se encontram no raio da sua ação. No matrimônio, é uma disponibilidade que – embora deva estar aberta a todos – consiste particularmente no amor que os pais dedicam aos filhos. Na virgindade, está aberta a todos os homens, abraçados pelo amor de Cristo esposo”18. No celibato e na virgindade por amor a Deus, o Senhor dilata o coração do homem e da mulher para que a paternidade ou maternidade espiritual seja mais extensa e profunda. A entrega a Deus não limita de maneira nenhuma o coração humano; pelo contrário, enriquece-o e torna-o mais capaz de realizar esses sentimentos profundos de paternidade e de maternidade que o próprio Senhor colocou na natureza humana.

O zelo por aqueles sobre os quais, por circunstâncias tão diversas da vida, Deus quis que exercêssemos a nossa paternidade espiritual far-nos-á entender o desvelo com que o nosso Pai-Deus nos acompanha a cada um de nós. E além disso é um bom motivo para que nós mesmos mantenhamos intocável a nossa própria fidelidade ao Senhor, e um estímulo para que procuremos “ir à frente” no caminho da santidade, como o bom pastor.

São José é para nós um modelo de como deve ser a nossa solicitude pelos outros. Visto que o seu amor paterno “não podia deixar de influir no amor filial de Jesus e, vice-versa, o amor filial de Jesus não podia deixar de influir no amor paterno de José, haverá maneira de penetrarmos na profundidade desta relação singularíssima? As almas sensíveis aos impulsos do amor divino vêem com razão em José um luminoso exemplo de vida interior”19.

Aprendamos dele, do seu trato com Jesus, a velar com amor sempre crescente por aqueles que Deus confiou à nossa responsabilidade.

 

(1) Mt 23, 1-12; (2) João Paulo II, Exortação Apostólica Catechesi tradendae, 16.10.79, 9; (3) Ef 3, 15; (4) 1 Cor 4, 14-16; (5) Sagrada Bíblia, Epístolas do cativeiro, nota a Ef 3, 15; (6) Gál 4, 19; (7) cfr. Catecismo Romano, III, 5, n. 8; (8) São Tomás de Aquino, Suma teológica, I, q. 103, a. 6; (9) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 779; (10) João Paulo II, Carta Encíclica Dives in misericordia, 30.11.80, 14; (11) cfr. Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 61; (12) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 281; (13) Jo 10, 11; (14) 2 Cor 11, 28; (15) 2 Cor 11, 29; (16) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 28; (17) B. Perquin, Abba, Padre, Rialp, Madrid, 1986, pág. 328; (18) João Paulo II, Carta Mulieris dignitatem, 15.08.88, 21; (19) João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptoris custos, 15.08.89, 27.


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