Senso crítico, educação e tecnologia

Senso crítico, educação e tecnologia

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Em um dado momento, um crescimento considerável na quantidade de pessoas envolvidas em conflitos de opiniões nas redes sociais chamou atenção da imprensa nacional, motivando a publicação de algumas notícias, tais como, “Debate político acirra ânimos nas redes sociais” (EBC, 2014), ”A era da grosseria on-line: cresce a intolerância nas redes sociais” (ÉPOCA, 2015). No entanto, o problema da intolerância enquanto pensamento unilateral não é algo novo, sendo entendido como uma crescente tendência, proveniente da falta de um senso crítico qualificado (CASTELLS, 2005).


A formação de cidadãos críticos é uma necessidade social e uma das responsabilidades da educação, sendo o desenvolvimento do senso crítico uma das orientações presente no Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). No PCN, a capacidade de argumentação é entendida como relevante para o adequado exercício da cidadania, possibilitando ao aluno “posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais […]” ( Brasil, 1998, p.7).


Desenvolver o pensamento crítico implica em estimular competências para o entendimento das conexões lógicas entre as ideias, diferenciando argumentos de explicações, onde “argumentos buscam demonstrar que algo é verdadeiro, enquanto explicações demonstram como algo é verdadeiro.” (BAGGINI;FOSL, 2008, p. 14). No ambiente escolar, existem diversos métodos para desenvolver o pensamento crítico. Esses métodos assumem como principal objetivo promover o diálogo mediado por algum instrumento que favoreça a pluralidade dos discursos, percepções. Esse é o caso do Educomunicação, divulgado pela UNICEF (2010), método que promove um espaço para o diálogo através da participação dos alunos em atividades de mídia de massa, como a criação de um jornal da escola ou da turma, vídeos, rádios, blogs, fóruns entre outros. Essas atividades devem ser elaboradas por grupos de alunos no intuito de estimular, nos estudantes, o debate analítico, reflexivo, sobre os problemas do cotidiano.


Outro método consiste em promover na sala de aula rodas de conversa (MEC, 2008), onde o professor escolhe um tema referente à disciplina ministrada e, mediando o diálogo dos alunos, vai complementando as conexões e questionando inconsistências nas afirmações que surgem. A roda de conversa “apresenta-se como um rico instrumento para ser utilizado como prática metodológica de aproximação entre os sujeitos no cotidiano pedagógico.”(MELO;CRUZ 2014 p.31). Durante essa mediação, o professor apresenta, geralmente de forma implícita, as regras de argumentação aos estudantes. Estas regras são conexões lógicas de composição das frases, permitindo identificar se a forma como o pensamento foi expressado é válida ou se apresenta algum tipo de inconsistência, sinalizando possível equivoco na percepção do interlocutor.


Para promover a competência que permita ao aluno identificar regras de argumentação, é necessária uma prática sistemática de diálogo analítico, onde o estudante vai adquirindo senso crítico ao praticar, no diálogo, o exercício reflexivo de aprender a perceber inconsistências em suas afirmações, como redundância, contradição, ambiguidade, generalização, simplificação, entre outros. Esses problemas estimulam intolerâncias e individualismos através de uma percepção fantasiosa da realidade promovida por equívocos na elaboração dos argumentos enquanto mecanismo de percepção da verdade. (BAGGINI; FOSL, 2008, p. 31).


No contexto de tecnologias educacionais, uma ferramenta possível para auxiliar os alunos na prática do diálogo analítico é o uso de simuladores de diálogos ou agentes conversacionais. Agentes conversacionais são softwares computacionais que simulam a capacidade humana de conversar. Embora esses aplicativos não consigam compreender as expressões linguísticas, são capazes de reagir aos estímulo das palavras e interagir conforme programação prévia. Os agentes conversacionais quando equipados com regras de argumentação podem identificar inconsistências no diálogo, atuando como ferramenta no exercício reflexivo e desenvolvimento do senso crítico.


Um método usado em estudos sobre os agentes conversacionais é a identificação das sentenças através de técnicas fundamentadas na Teoria dos Atos de Fala (Austin, 1962; Searle, 1969). Os atos de fala tem sua origem nas reflexões em filosofia da linguagem, corrente filosófica responsável pelos estudos dos fenômenos linguísticos. A teoria dos atos de fala tem como característica central a concepção da linguagem como ação ou realização de atos. Sob este aspecto, dizer é fazer. Nesse sentido, entender uma expressão linguística só pode ser feito considerando o ato que está sendo realizado quando essas expressões são proferidas, bem como, as regras que tornam possível a realização desses atos. Em sentido geral, toda expressão linguista é representação de uma ação, é um ato de fala.


Os atos de fala em conjunto com alguma representação computacional que permita representar conceitos de um domínio e suas relações, tais como ontologias, podem ser empregados em um agente conversacional para identificar um argumento, assim como suas inconsistências. Esse agente poderia detectar e apontar ao estudante inconsistências na sua argumentação ou simplesmente mostrar outros pontos de vista sobre um mesmo tema.


Em 1966 o professor Josep Weizenbaum, no Massachussets Institute of Technology, demonstrou o potencial de um Agente conversacional chamado Eliza. (WEIZENBAUM, 1966). Eliza era um software que simulava uma psicóloga. Ao receber uma frase do usuário o simulador usava palavras específicas da frase digitada para compor suas respostas, mantendo certa coerência no diálogo e estimulando o usuário para aprofundar o assunto. Muitos estudos ocorreram desde então, no intuito de aperfeiçoar a interação entre máquina e humano, promovendo considerável utilidade para esta modalidade de ferramenta nos diversos segmentos sociais, em especial, como apoio em ambientes educacionais.


Agentes conversacionais são programas computacionais que atuam como ferramentas de processamento de linguagem natural. O agente conversacional recebe do usuário uma entrada em linguagem natural onde, através de comparação e processamento emite uma resposta, input/output. Allen (1995) aponta alguns conhecimentos necessários para o processamento de linguagem natural, como Sintaxe enquanto organização adequada das palavras nas sentenças; Semântica, enquanto identificação de significados das palavras e das sentenças; Pragmática, como uso das sentenças em contextos sociais.


No conhecimento pragmático, o estudo de comunicação entre agentes inteligentes tem como fundamento a teoria dos atos de fala de Austin e Searle (COSTA, 2008) . Davis (1990) esclarece que a teoria dos atos de fala classifica o modo de comunicação em: Atos declarativos, transporte da informação; Atos interrogativos, requerimento de uma informação; Atos imperativos, manifestação de um comando; Atos de exclamação, manifestação emotiva e Atos performativos, manifestação de uma condição. Sob este aspecto a intenção do falante pode ser identificada conforme classificação prevista na teoria dos atos de fala.


Os atos de fala foram empregados, por exemplo, por Leonhardt (2011) para aperfeiçoar a comunicação afetiva dos agentes conversacionais com seus usuários. Prata (2008) usou atos de fala para o desenvolvimento de um modelo computacional de análise dos conflitos ocorridos em diálogos na aprendizagem colaborativa, através da interação e análise dos argumentos dos participantes. Nishida (2015) no congresso internacional de Singapura apresentou, em artigo, uma perspectiva quantitativa relacionada com modelagem de dados, atos de fala e agentes conversacionais. Wilkens (2016) também seguiu nessa direção ao ampliar a investigação sobre o uso do processamento de linguagem natural para os agentes conversacionais. Assim como, Corti e Gillespie (2016), na Science Direct, abordaram os atos de fala e a questão da intersubjetividade envolvida nos diálogos com agentes conversacionais.

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