Quem aposta no jogo do tigrinho no recreio da escola fica rico?
www1.folha.uol.com.br - Raphael Preto PereiraÉ bem possível que você já tenha ouvido falar do jogo do tigrinho, aquela plataforma que as pessoas usam para apostar dinheiro. Ou, então, pode ser que tenha algum colega de escola que esteja jogando no recreio, às vezes escondido dos pais ou até mesmo com autorização deles.
Você pode nunca ter ouvido falar no jogo do tigrinho, mas provavelmente já viu uma coisa muito parecida e que faz a mesma coisa que ele. Aquelas máquinas que a gente chama de caça-níqueis e que muitas vezes são colocadas em bares e restaurantes, meio escondidas e nas quais muitos adultos colocam dinheiro.
Pois bem, o jogo do tigrinho é um caça-níquel, só que fica no celular, então é ainda mais fácil de acessá-lo do que as máquinas tradicionais.
Fórmula mágica não existe
Bem, ganhar dinheiro com plataformas como a do tigrinho não é simples, e muitos casos nem mesmo é possível.
Para começar, desconfie de fórmulas que parecem mágicas e de histórias de gente que ganhou muito dinheiro do dia para a noite. Além disso, há muito perigo envolvido nesse tipo de coisa: tem gente que fica viciada nos jogos e não consegue mais parar, há famílias que brigam por causa dessas apostas e até pessoas que perdem tudo o que têm.
Imagina o que é pegar todo o dinheiro da sua mesada e botar em algo que você acredita que irá te dar ainda mais dinheiro, mas terminar de mãos abanando, sem nada?
Jogo do tigrinho no recreio
Bruno dá aulas em uma escola pública em São Paulo e conta que um dia estranhou quando viu um de seus alunos, de mais ou menos 12 anos, sem o celular do qual não desgrudava o olho. Foi perguntar o que tinha acontecido e descobriu que o menino tinha perdido tanto dinheiro com o jogo do tigrinho que os pais dele cortaram o acesso ao aparelho.
Cenas como essas são cada vez mais comuns entre crianças e adolescentes, de acordo com professores.
"Dou aulas em duas escolas, uma de elite e outra de periferia em São Paulo, e nas duas os alunos falam sobre apostas e jogos. Mas na periferia eles admitem que jogam", diz a educadora Mayara. Ela acredita que os alunos repetem o comportamento dos pais, que também estão jogando.
"Já ouvi histórias de crianças que dizem que suas mães perderam ou ganharam dinheiro apostando", afirma.
Todo mundo fica rico?
É importante lembrar que a ideia de apostar está sempre relacionada a não saber qual o resultado, ou seja, a gente nunca sabe se vai ganhar ou perder quando decide apostar.
Mas dá para todo mundo ficar rico apostando? A resposta é não. O dinheiro da pessoa que ganha é pago com o que outra pessoa que perde gastou apostando. Essa é a lógica do sistema das apostas. Se desse pra todo mundo ganhar e ficar rico, quem iria pagar a aposta? Já pensou nisso?
Os adultos costumam repetir uma frase sobre apostas que é "a banca sempre ganha". A banca é a pessoa ou a empresa que organiza a aposta.
Lição de casa
Por causa do problema de jogos como esses, tem até colégio propondo que os seus alunos façam lições escolares sobre o assunto, como forma de entender melhor o que são as apostas e quais são os seus riscos. A professora de inglês Camile de Lima conta que acompanhou o trabalho de uma turma que resolveu falar sobre vício em jogos de celular.
"Eles conheciam todos os jogos e me explicaram o funcionamento de cada um deles", diz ela. Dentre todos, o jogo do tigrinho era o jogo da moda.
Os alunos que tiveram a ideia de fazer um trabalho sobre o tema são Diogo, Ryan e Nicolas, todos de uma escola pública em São Paulo. Eles têm 15 anos e nunca apostaram, mas perceberam que esse assunto era grave quando viram que um amigo da mesma sala estava ganhando muito dinheiro apostando.
"O vício nas apostas é até mais grave do que o vício em celular", diz Diogo. Para ele, a ideia de que se pode ganhar dinheiro fácil é o que tem levado gente cada vez mais nova a esse mundo. "Muitas vezes, na nossa idade, o jovem ainda não sabe direito o que fazer, mas sabe que precisa de dinheiro", afirma.
Apostar vicia
É importante dizer que as apostas são viciantes, o que quer dizer que muita gente com dificuldade para parar de apostar, e esse fato faz com que elas sejam até proibidas em alguns países.
Só que agora, como dá para apostar no celular, isso preocupa ainda mais. Isso porque passamos muito tempo com o aparelho, então podemos acabar fazendo em excesso.
O aluno Diogo, que fez o trabalho sobre o tema, sabe que muitos jogadores de futebol fazem propaganda das casas de apostas, o que para ele só piora a situação, já que ídolos do esporte podem incentivar as crianças a apostar.
Vamos todos conversar
Mas o que fazer se alguém da família parece estar gastando muito tempo e muito dinheiro com plataformas como o jogo do tigrinho?
A psicóloga Cíntia Aleixo afirma que é fundamental que todas as pessoas da família falem sobre o assunto e dá ideias para que essas conversas aconteçam de uma forma natural. "Pode ser durante o almoço, ou no jantar, com a família toda sentada à mesa", diz.
Ela acha legal que os pais entrem no mundo dos filhos, isto é, saibam a que séries eles estão assistindo, que livros estão lendo. E por que isso é importante?
A resposta é que, assim, os pais ficam mais informados sobre as coisas que a criança e o adolescente gostam e como eles vive. Fica mais fácil o diálogo quando as duas partes entendem melhor o mundo da outra, não acha?
Celular é coisa de criança?
Por causa dos riscos das apostas, há pais que defendem que crianças não deveriam nem mesmo usar celulares antes de certa idade —por exemplo, a partir dos 14 anos.
Muita gente compara as pessoas viciadas em jogos como o do tigrinho àquelas que não querem largar o videogame, mas Cíntia, a psicóloga, acha que as duas coisas são bem diferentes. "Enquanto alguns games podem estimular a concentração e a organização, a mesma coisa não acontece quando uma criança aposta."
Sinal de alerta
Ela recomenda prestar atenção a alguns sinais para entender quando o hábito de apostar virou um vício. "A dificuldade para dormir e a piora do desempenho na escola são sinais de alerta", afirma.
Cíntia reforça que crianças não devem apostar. "Já faz muito tempo que sabemos que o jogo é viciante e esse sentimento de competição com outras pessoas não é bom para a criança e nem pra ninguém."
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