O que é Esquizofrenia? – Histórico do Tratamento e Tratamentos Alternativos

O que é Esquizofrenia? – Histórico do Tratamento e Tratamentos Alternativos

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A esquizofrenia é uma doença de curso crônico ou redicivante, com prevalência-vida estimada mundialmente em torno de 1% da população. Apesar da prevalência relativamente baixa, a esquizofrenia é causa de grandes custos econômicos e sociais. Isso porque ela é potencialmente incapacitante. A esquizofrenia se manifesta no período entre o final da adolescência e o início da vida adulta. Os custos diretos com a saúde e as hospitalizações são importantes, a eles se somam os devido à perda de produtividade, desemprego e a carga que ocorre sobre os cuidadores (Cloutier, et al. 2013). Nesse sentido, a prevenção de recaídas é de grande importância porque torna a recuperação incerta, necessitando de um tempo maior de duração e frequentemente incompleta. Além disso está correlacionada com aumento do comparecimento em serviços de emergência, abuso de substância e o aparecimento de comportamentos disfuncionais, violentos ou suicidas.

REVISÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO

O primeiro medicamento usado para tratar a esquizofrenia

Até meados do século XX o principal tratamento utilizado era o internamento longo em grandes hospitais psiquiátricos. A descoberta dos medicamentos com efeito específico sobre os sintomas psicóticos foi revolucionária, por possibilitar o tratamento comunitário da esquizofrenia.

A clorpromazina, desenvolvida para ser um anestésico, foi o primeiro fármaco eficaz no tratamento da esquizofrenia (Delay, et al., 1952). A clorpromazina se revelou efetiva no tratamento dos quadros agudos e na prevenção de recaída dos surtos psicóticos (Deniker, 1990). O uso inicial ocorreu na França e rapidamente disseminou mundialmente. A clorpromazina deu origem a toda uma categoria de medicamentos, então chamados de neurolépticos, composta com mais de 10 diferentes classes químicas e dezenas de produtos.

Os neurolépticos são conhecidos por antagonizar comportamentos anormais em animais induzidos por drogas dopaminérgicas e em 1975 foi descoberto que o bloqueio dos receptores dopaminérgicos D2 era o mecanismo de ação principal (Madras, 2013). Desde então ficou estabelecido a necessidade do uso contínuo de antipsicóticos como essencial no tratamento da esquizofrenia.

O tratamento com neurolépticos não é para todos e possui efeitos colaterais

Apesar do sucesso do uso dos neurolépticos, nem todas as expectativas se materializaram. Os hospitais psiquiátricos permaneceram necessários. Os neurolépticos são eficazes para os sintomas positivos, como alucinações e delírios, da esquizofrenia. Mas eles não têm ação sobre os sintomas negativos, como o embotamento afetivo e o empobrecimento do pensamento. E como eles também bloqueiam a inervação dopaminérgica cortical, em alguns pacientes eles podem piorar os sintomas cognitivos. E um número significativo de pacientes se revelou refratária ao tratamento e muitos não toleram os frequentes efeitos adversos dos neurolépticos.

A taxa de ocupação dos receptores D2 é muito próxima da que causa efeitos adversos devido ao bloqueio dopaminérgico no sistema nigroestriatal, tornando estreita a janela terapêutica (Marsden e Jenner, 1980). Os efeitos extrapiramidais agudos, como as distonias musculares agudos, acatisia e parkinsonismo secundário são conhecidos. E os efeitos crônicos, como a discinesia tardia, são preocupantes por serem irreversíveis (Casey e Keepers, 1988).

Os principais fatores que causam as recaídas

As recaídas são frequentes, podem caracterizar o curso da doença e piorar sua evolução e aumentar o custo do tratamento. (Pennington e McCrone, 2017). O prognóstico piora após recaídas sucessivas. São múltiplas as causas das recaídas, podendo envolver fatores ambientais, familiares e intrínsecos do paciente.

Um número de pacientes apresentava novos surtos, apesar do uso correto da medicação. Mas entre todas a causas, se destaca, como a principal e mais frequente, a interrupção total ou parcial do uso dos neurolépticos. Cerca de 2/3 dos pacientes não aderem ao tratamento, o que aumenta 3,7 vezes o risco de recaídas (Diaz et al. 2004).

A não adesão ao tratamento adequado não é exclusiva da esquizofrenia, mas também apresenta características particulares, relacionadas diretamente com a doença. Estudos foram realizados e medidas foram propostas para melhorar a adesão ao uso dos neurolépticos. Exemplos são a psicoeducação dos pacientes e seus familiares e o investimento na construção de uma boa aliança terapêutica com a equipe de atendimento (Masand et al. 2009). Ao final do histórico do tratamento, iremos detalhar melhor essas formas de tratamento que complementam a medicação.

Neurolépticos de depósito – suas vantagens e desvantagens

Assim como para outras doenças crônicas, que necessitam de controle contínuo, foram desenvolvidos novos medicamentos e métodos de administração. O enantato de flufenazina foi aprovado em 1966 como primeiro neuroléptico de depósito para o tratamento de manutenção da esquizofrenia (Lowter, 1967). Outras formulações foram então desenvolvidas e os estudos comprovaram sua superioridade em relação aos neurolépticos orais para o controle das recaídas.

Entretanto o uso dessas formulações não foi bem aceito pela comunidade médica como tratamento de primeira linha. Os neurolépticos de depósito necessitam de um tempo maior e apresentam menos flexibilidade para o ajuste a dose adequada. Muitas vezes se fazia necessário suplementação oral dos medicamentos e os efeitos adversos eram piores e mais difíceis de serem manejados (Simpson, 1984).

Além disso alguns profissionais preocuparam-se com a possibilidade de seu uso poder ser vista como uma forma de imposição ilegítima da vontade dos psiquiatras sobre seus pacientes. O uso dos neurolépticos de depósito foi pouco utilizado e restrito ao tratamento dos pacientes mais graves, não aderentes e após muitas medidas sem resultado terem sido tentadas (Remington e Adams, 1995).

Atualmente permanecem em uso nos Estados Unidos apenas dois neurolépticos de depósito: o decanoato de flufenazina e o decanoato de haloperidol. Também está disponível no mercado brasileiro o zuclopentixol de depósito. Esses medicamentos se revelaram melhores na prevenção de recaídas e novas hospitalizações, mas piores no perfil de tolerabilidade.

Antipsicóticos atípicos ou de segunda geração

O desenvolvimento seguinte foi a aprovação da clozapina pelo FDA no Estados Unidos. (Crilly, 2007). Ela havia estado disponível, mas retirada do mercado devido seu uso ter causado agranulocitose com fatalidades.

A aprovação de seu uso se deu por ela ter mostrado superioridade terapêutica em relação aos tratamentos anteriores. A clozapina não apresentou em testes com animais os mesmos efeitos comportamentais que os neurolépticos. Isso porque é menor sua afinidade pelos receptores D2 e por ela também antagonizar outros neuroreceptores, tal como o 5-HT2 serotoninérgico. (Kapur e Seeman, 2001). A farmacodinâmica da clozapina serviu de base para a síntese de outros fármacos que tivessem eficácia semelhante, mas sem apresentar risco de agranulocitose.

Essa classe de medicamentos foi chamada de antipsicóticos atípicos ou de segunda geração e os neurolépticos passaram a ser denominados de antipsicóticos típicos ou de primeira geração. Os novos antipsicóticos não são iguais entre si, mas estão associados com um perfil melhor de tolerabilidade, menor incidência de discinesia tardias e outros efeitos extrapiramidais, necessidade de uso menor de anticolinérgicos e benzodiazepínicos, não pioram e potencialmente melhoraram sintomas cognitivos, não estão associados com diminuição da massa cinzenta cortical como os antigos neurolépticos, apresentavam mais remissões e resultam em uma melhor qualidade de vida (Citrome, 2011).

Os novos antipsicóticos atípicos foram amplamente aceitos, entretanto a clozapina permanece como tratamento de escolha para a esquizofrenia refratária.

Apesar de suas vantagens, no Brasil só é liberado um tipo de antipsicótico de segunda geração

Apesar da melhor tolerabilidade e outras vantagens relativas, o uso dos antipsicóticos de segunda geração não teve o impacto esperado sobre os problemas de adesão ao tratamento, que ainda permanecem sendo o fator principal de causa de recaídas e novas hospitalizações.

Buscando aliar a vantagem em termos de prevenção de recaídas dos antipsicóticos de primeira geração com as vantagens de tolerabilidade dos antipsicóticos de segunda geração foi aprovado o uso de risperidona de longa ação em 2003 (Harrison e Goa, 2004). Posteriormente no exterior, foram desenvolvidos injetáveis de longa ação a partir das moléculas da olanzapina e do paripripazol (Fleishhacker, 2009).

Em 2009 foi aprovado o uso do palmitato de paliperidona, metabólito ativo da risperidona (Kramer et al. 2010). Que atualmente é o único antipsicótico de segunda geração de longa ação aprovado no Brasil, para o tratamento da esquizofrenia e o do transtorno esquizoafetivo.

O uso das medicações de longa ação consiste numa ferramenta importante para garantia de adesão, remissão dos sintomas e prevenção de recaídas e hospitalizações. Cabe destacar que as formulações com maior tempo de meia-vida podem conferir uma maior proteção na prevenção de recaídas quando os clientes descontinuam ou atrasam a tomada da próxima dose.

O USO DE FORMAS ALTERNATIVAS NO TRATAMENTO DA ESQUIZOFRENIA

Já vimos o que é a esquizofrenia e quais são os medicamentos que estão sendo utilizados para o tratamento da doença. No entanto, além dos medicamentos existem outros métodos que irão complementar o tratamento do paciente. Vamos ver alguns deles a seguir.

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

A terapia cognitivo-comportamental foi adaptada inicialmente para melhorar a aderência à prescrição médica dos pacientes com esquizofrenia. Mas desde a década de 1990 foram desenvolvidos modelos cognitivos e desenvolvidas técnicas específicas voltadas para esses pacientes. Hoje a terapia cognitivo-comportamental está iniciada como tratamento baseado em evidências em várias guidelines internacionais.

Para quem é indicada a Terapia Cognitivo-Comportamental?

A indicação principal da TCC na esquizofrenia é para os pacientes que estão fazendo uso adequado da medicação, que tenham apresentado uma reposta parcial e que os sintomas residuais sejam causa de impacto negativo na funcionabilidade ou na qualidade de vida. A TCC não deve substituir o uso de antipsicóticos e não deve ser empregada com o objetivo de reduzir dos sintomas positivos ou negativos da esquizofrenia. O que pode se esperar, é que após um curso de TCC, o paciente fique menos perturbado pelos sintomas presentes. Mesmo assim, com a diminuição do estresse, sintomas variados podem perder suas influências, com benefícios diretos para os pacientes e suas famílias.

As diferentes abordagens dentro da Terapia Cognitivo-Comportamental

Como o quadro da esquizofrenia é heterogêneo, foram desenvolvidas abordagens cognitivo-comportamentais aplicáveis para seus diferentes sintomas. Existem modelos cognitivos teóricos específicos para os delírios, para as alucinações e para os sintomas negativos e as técnicas derivadas devem ser aplicadas de acordo com os sintomas preponderantes em cada paciente. Um estudo de metanálise realizado por pesquisadores independentes reportou que não foram encontradas evidências consistentes de vieses de publicação nas diferentes analises publicadas. O efeito terapêutico da TCC é pequeno, mas estatisticamente significativo, para sintomas positivos (delírios e alucinações), para o quadro clínico global e para a qualidade de vida.

Terapia Familiar

Uma série de intervenções familiares foram testadas empiricamente nos últimos anos com resultados promissores. Recentemente foi apresentada uma extensa revisão sobre o efeito de intervenções de psicoeducação de baixa complexidade, para familiares e pacientes com esquizofrenia e transtornos similares, em ambiente extra-hospitalar (Cochrane, 2014). Apesar da qualidade dos dados ter sido considerada muitas vezes insuficiente, os resultados indicaram que as intervenções podem reduzir o risco de recaídas e melhorar a aderência aos medicamentos. Os custos dos programas de psicoeducação familiar podem ser compensados com a redução das hospitalizações e do uso de outros serviços. (McFarlane, 2003).

É importante os grupos familiares de psicoeducação apresentarem as características comuns e não específicas das diferentes intervenções psicoterápicas. Por exemplo, acolhimento, escuta empática, apoio emocional e uma expectativa que o tratamento será benéfico. Mas os programas devem também incluir, em proporções variadas uma explicação a esquizofrenia e outros transtornos mentais e seus tratamentos, orientação sobre recursos clínicos existentes e a serem utilizados em períodos de crise, instruções de como aumentar a rede comunitária e social e treinamento em técnicas de resolução de problema e de habilidades de comunicação.

Como a família pode estar afetando negativamente o paciente?

Existem evidências que as pessoas com esquizofrenia são altamente sensíveis ao ambiente emocional. Vários estudos identificaram que esses indivíduos, quando pertencentes a famílias com níveis altos de expressão negativa de emoções, apresentavam pior evolução. Inclusive com número maior de hospitalizações. Além da falta de adesão correta aos medicamentos. Fatores familiares poderiam estar influenciando no fenômeno conhecido como “porta giratória”. A situação em que vários pacientes, após receberem alta estabilizados de seus internamentos, rapidamente são trazidos por seus familiares para retornarem aos hospitais.

As emoções negativas identificadas foram os comentários críticos, a hostilidade e a superproteção com envolvimento excessivo nas vidas dos pacientes. O problema das emoções negativas é comum a outros transtornos mentais, mas foi teorizado que elas interagem com a dificuldade dos pacientes em processar emoções complexas e de se manterem atentos em ambientes carregados emocionalmente. Falta também aos pacientes habilidades de comunicação social. Como os pacientes com esquizofrenia são particularmente dependentes do apoio de seus familiares, o conceito de “emoções negativas” é importante para o desenvolvimento de intervenções familiares de psicoeducação.

Como são feitos os tratamentos de terapia familiar?

São feitos em grupos, que podem ser restritos apenas a uma família ou podem ser multifamiliares. O programa pode ser oferecido também para cuidadores não familiares. Em alguns programas apenas os familiares são incluídos e em muitos também estão presentes os cuidadores. Os grupos podem ser realizados na casa, em serviços de saúde ou em locais comunitários e tanto os familiares como cuidadores devem ser considerados como parceiros e não como passíveis de tratamento. A realização de psicoterapia individual ou de família não apresentaram efeitos aditivos sobre as taxas de recaída ou de novas hospitalizações.

Quando indicar a psicoeducação e o tempo mínimo para o tratamento

Não foi possível identificar características de famílias ou de pacientes que pudessem se beneficiar mais da psicoeducação familiar. A avaliação sobre quando indicar a psicoeducação deve incluir a presença de familiar em contato contínuo com o paciente, o interesse do paciente e de seus familiares, considerações sobre a existência de intervenções alternativas e esclarecer que os medicamentos não podem ser interrompidos (Dixon, 2000). Os grupos de maior duração de acompanhamento apresentaram melhores resultados. O compromisso deve ser de pelo menos por nove meses. Para os pacientes desacompanhados, outros tratamentos psicossociais individuais, focados na esquizofrenia, foram desenvolvidos e também com influência positiva nas taxas de recaídas.

Referências

Dixon, L.; Adams, C. & Lucksted, A. (2000). Update of Family Interventions in Schizophrenica. Schizophrenia Bulletin, 26 (1):5-20.

McFarlane, W. R.; Dixon, L.; Lukens, E. & Lucksted, A.(2003). Family Psychoeducation and Schizophrenia: Review of Literature. Journal of Marital and Family Therapy, 29 (2):223-245.

Pharoah, F.; Mari, J. & Wong, W. (2010). Family Intervention for Schizophrenia (Review). The Cochrane Library, Issue 11

Pitshel- Walz, G.; Leucht, S.; Bauml, J.; Kissling, W. & Engel, R. R. (2001). The Effect of Family Interventions on Relapse and Rehospitalization in Schizophrenia – Meta-analysis. Schizophrenia Bulletin, 27 (1):73-92.

Jauhar, S.; Mckena, P.; Radua, J. & Fung, E. (2014). Cognitive-behavioural therapy for symptoms of schizophrenia: Systematic review and meta-analysis with examination of potential bias. The British Journal of Psychiatry, 204(1):20-29.

Zugman, S., Mendes, A.F., Franzin, R. & Costa R. M. (2017). Terapia Cognitivo-Comportamental de Grupos para pacientes com esquizofrenia. Em Terapia cognitiva-comportamental em grupos: das evidências à prática clínica. Carmen B. Neufeld & Bernard P. Rangé (Org.). Porto Alegre: Artmed, 2017.

Elkis, H. & Meltzer, H.Y., (2007). Esquizofrenia refratária. Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 29 suppl. 2

Source iptc.net.br

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