O Princípio da Não-Contradição enquanto Experiência do Real
JeanINTRODUÇÃO
Numa era cheia de "psicologismos" creio ser importante voltarmos à Filosofia da Mente num esforço real de entender COMO pensamos. Em certa medida, a História da Filosofia passou, por diversas vezes, pelo tema de "como experimentamos a realidade". todavia, o óbvio, de tanto deixar de ser dito, foi esquecido à ponto de termos de reforçar a tautologia de que "se percebemos o real é porque o real EXISTE". O que nos leva à questão: entendemos a realidade na MENTE a partir dos "primeiros princípios"; então, estes mesmos princípios também DEVEM estar (d)escritos na própria realidade ontológica das coisas?
O presente artigo pretende descrever e testar algumas razões que podem nos levar a pensar que SIM.
DISCLAIMER
Este artigo é uma construção coletiva do grupo de Telegram "Ágora de Filosofia & Afins" sendo, portanto, um documento escrito "por muitas mãos" e organizado por um dos administradores do grupo como forma de ordenar ideias para uma apresentação abrangente do assunto, sinalizadas as citações de origem nas discussões do grupo sempre que necessário; todavia não é falso dizer que as linhas gerais representam uma tentativa do organizador de sistematizar uma intuição individual sobre o tema, podendo nem sempre corresponder à mesma opinião dos queridos colegas que ajudaram a pensar estes temas - inclusive no espectro oposto (eu os saúdo!).
Este artigo terá 2 versões que, espero, passem a DIVERGIR entre si com o TEMPO: a versão que apelidei de "versão Parmênides" será o texto original tal qual ficou quando me dei por satisfeito (seja por tê-lo terminado ou por minhas limitações intelectuais e de tempo não me permitirem ir mais além), e a (esta) "versão Heráclito" será fixada como artigo do telegra.ph me permitindo atualizá-la à medida em que eu acabe sendo corrigido por pessoas mais inteligentes que eu que, sabe lá Deus por qual motivo aleatório, tenham se interessado em ler este artigo (ou para que eu mesmo possa fazer correções posteriores em minha forma de pensar mediante motivos fortes o bastante para reconsiderar a direção dos argumentos aqui expostos até que a morte me obrigue a pôr um ponto final na perspectiva que tive sobre o tema em questão).
1. SOBRE VERDADE, LÓGICA, PRIMEIROS PRINCÍPIOS E INTELIGÊNCIA
a) VERDADE
Muitas vezes nos deparamos com pessoas dizendo frases como “Não existe verdade absoluta”, ou “Minha verdade é diferente da sua!”, ou ainda “Cada qual tem sua verdade e não podemos questionar isso...” Será?
E se eu dissesse para vocês que existe uma ciência que se ocupa de “estudar a verdade” e outra responsável por estudar a “estrutura do conhecimento”? Estou falando, respectivamente, da Lógica e da Epistemologia. Vocês sabiam que essas ciências são usadas em áreas desde programação de computadores, passando pela matemática, até a validação de estudos nas bancas examinadoras de trabalhos científicos nas Universidades? O que então elas têm a dizer sobre o que é a verdade? Vejamos juntos:
•Verdade Provável (aquela que depende do "quê" da situação) - São as verdades da coerência, as possíveis-prováveis (tudo que é provável é possível, mas nem tudo que é possível é provável). Contudo, verdade não é apenas o que é coerente, abrangente, provável ou que funciona para se executar uma tarefa ou explicar algo (o nome pra isso é “teoria” no primeiro caso e “hipótese” no segundo). A chamada "verdade provável" é construída a partir de dados experimentais, preditivos, indutivos e sempre depende de algum estudo estatístico ou método de medição. O que é muito útil, mas apresenta algumas limitações: precisa de constante reciclagem, é passível de mudança súbita mediante novas descobertas, etc. Um caso clássico é quando um candidato é apontado como favorito na disputa eleitoral e perde. Supondo que não houve desonestidade na pesquisa, a explicação fica simples: toda pesquisa é feita com uma “amostra” da população ou de “alguns casos” envolvendo o objeto de estudo (que pode ser uma doença, uma tendência de mercado, ou até mesmo uma opinião convicta baseada nas experiências pessoais de sua vida). Como a pesquisa, no exemplo eleitoral acima, apresentou um resultado equivocado, a explicação mais provável é que tenham entrevistado, por acaso (ou por falha metodológica), uma amostra de pessoas que era favorável ao candidato derrotado, mas que não representava a maioria dos eleitores.
•Verdade Substancial (aquela que depende do "quem" da situação) - É a verdade de um fato concreto ou daquilo que é, ou que ocorreu unicamente com alguém em alguma época e em algum lugar. Filmes como Matrix ilustram como pode haver um disparate entre a realidade e o que nós achamos ser real. Se eu digo: "Hoje, dia 30 de setembro de 2006, às 16h e 21min, eu, Jean, sinto frio." - trata-se de algo verdadeiro pra mim se eu realmente estiver sentindo frio (coisa que só eu sei), mas não é verdadeiro se estiver se referindo a, por exemplo, você, ou a alguém que esteja no Equador na mesma data e hora, ou de alguém que esteja muito bem agasalhado e tomando chá quente sentado diante de uma lareira. É o famoso "cada um, cada um". Essa é a categoria de “verdade” onde ficam enquadradas nossas opiniões e experiências pessoais, mas o fato de cada um ter a sua não quer dizer que todos estão certos ao mesmo tempo num mesmo sentido nem muito menos que não existam verdades inquestionáveis.
•Verdade Inegável (verdade inquestionável) - De tão verdadeira, não pode, sob hipótese alguma, ser refutada ou negada. É através dela que definimos a realidade e está diretamente ligada à linguagem (50%) e à estrutura do pensamento (50%). Sem ela não poderíamos sequer construir um simples pensamento. Ex.: Se eu observo um triângulo e quero explicar pra alguém o que é um triângulo eu digo que “triângulo é todo objeto que tem 3 lados”; se falo de uma bola, esta nunca poderá ser quadrada; se falo que 2+2=4 isso nunca será 2+2=5; se falo de um morto, ele não pode mais estar vivo; se me refiro a um homem casado, ele não pode mais estar solteiro. São todas verdades inegáveis porque a própria definição daquilo que eu afirmo não permite outro significado nem nenhuma outra interpretação senão a descrição precisa e exata das coisas.
•Verdade Necessária (verdade absoluta) - Ou verdade ontológica, é uma verdade que não só é impossível de ser negada como é também impossível de não existir, já que dela implica a existência de todas as outras categorias. Lembrando que “intenção, crença ou desejo não são verdades absolutas” (afinal, atire a primeira pedra... quem nunca falou algo que achava estar certo e errou? Ou ainda, quem de nós nunca mudou de ideia sobre algo que antes gostava? Ou mesmo, quem de nós nunca acreditou numa mentira?). Se o mundo existe e podemos pensar sobre ele, do mesmo modo como para cada desejo existe uma forma de satisfação, se eu digo algo como “não existe verdade” é o mesmo que dizer: “a verdade não corresponde à realidade”, mas isso também é uma tentativa de explicar algo que correspondente à verdade (pois é o mesmo que tentar explicar a realidade dizendo que a realidade não existe!). Logo, essa frase é falsa! O ser humano pensa através de comparações, isso nos mostra que “verdade é a correta descrição do assunto sobre o qual se fala”. A “verdade necessária”, da qual decorre todo o conhecimento e que todos nós usamos para compor cada pensamento nosso, é sempre que: “alguma coisa existe, portanto alguma coisa é Verdade Absoluta”... Ainda que você não saiba ou não queira saber que Verdade é essa.
Sugestões de livros para saber mais:
https://g.co/kgs/3exEwb - Enciclopédia de Apologética Norman Geisler
https://bityl.co/6Hm2 - Curso de Filosofia Régis Jolivet
📝Texto originalmente publicado em:
https://proibidopensar1.blogspot.com/2010/09/tipos-de-verdade.html?m=1
b) LÓGICA
(1) Lógica é a arte de organizar um conjunto de relações válidas entre conceitos/axiomas, argumentos e proposições/conclusões tanto sobre entes reais quanto sobre entes abstratos, de modo a derivar conclusões/descobertas válidas a partir dessas relações.
(2) Só porque é possível separar formas lógicas de seus objetos, disso não decorre que a lógica opere sempre e unicamente a nível abstrato. Por exemplo, ao propôr que as formas estão manifestas nas coisas (ao invés de "emanar" de um mundo das ideias como supunha Platão), pelo menos no que tange à representação de coisas concretas, Aristóteles "une" os conceitos de "forma/essência" à "matéria" - são passíveis de distinção, mas nem sempre distinguíveis. Ex.: A Beleza tem origem metafísica tal qual um bolo: nenhum dos dois existe na natureza, tiveram de ser originados na mente até serem atualizados/efetivados numa coisa material. Nestes casos, temos hilemorfismo: a própria ideia da coisa EXIGE uma forma corpórea (ao contrário de noções puramente abstratas e auto-evidentes, que não carecem de "corpo" pra existir, como os "primeiros princípios").
(3) Derivar que a Lógica possa operar sem prejuízo a despeito das coisas é uma forma de nominalismo e está sujeita a "alucinações" (análogas a alucinações de IAs). Este é o "gap" entre "o que se diz/se pode dizer de um ente" (Linguagem) e "o ente tal e qual" (Ontologia).*
(4) Lógica e Metafísica são sinônimos.
(5) Entes físicos e abstratos existem, mas não são de mesma ordem. Assim sendo, existir em uma ordem não implica necessariamente em existir na outra. Ex.: O que existe na imaginação pode não ter sido atualizado na matéria ("inventado" ou "criado") e o que existe na matéria pode ainda não ter sido conhecido na mente como mistérios, "cisnes negros", outros mundos desconhecidos(habitáveis talvez?), etc.
(6) Sendo a lógica, ainda que parcialmente, derivada de entes reais, disso decorre que "contradições reais não são impossíveis" (embora esta demonstração TALVEZ careça de prova... aliás, assim como exemplos não são demonstrações, provas e demonstrações também não são sinônimos).¹
*Obs.: Os itens (2) até o (6) não são consenso. Para prosseguir a argumentação deste artigo estamos pressupondo estes itens por motivos que, espero, fiquem claros ao longo do texto. Se entendermos a filosofia como "amor à sabedoria", o conhecimento por presença será composto de coordenadas como forma/proporção e matéria de modo a permitir o movimento num espaço geométrico com relações entre elementos distintos, no mesmo conjunto de realidade, que se afetam mutuamente e se comunicam de algum modo (linguagem). Todavia, a essência da linguagem não é material por ser um fenômeno. Entes reais que não são materiais "são entes de razão" e podem ser inteligidos (quando suas características são divididas na mente) ou imaginados (quando suas características são somadas/sobrepostas). "Entes reais de primeira intenção" são captados pelos sentidos externos (referem a um ente real), "entes reais de segunda intenção" são metafísicos. Alguns entes reais são auto-evidentes (primeiros princípios). E nem todo "ente metafísico" é um "ente real" pois sua potencialidade pode não-ser (ex.: coisas MATERIALMENTE impossíveis, como "fogo congelado" ou LOGICAMENTE absurdas como um "quadrado de 3 lados") ou simplesmente porque sua potência não foi atualizada (possibilidades que não aconteceram e que, portanto, não existem ontologicamente, mas existem metafisicamente por não serem intrinsecamente impossíveis).
c) PRIMEIROS PRINCÍPIOS
Os primeiros princípios são os limites da cognição humana, são basicamente a descrição de como nossos pensamentos operam a nível de como computamos a informação. Algo como as três leis da robótica nos livros do Asimov. O que caracteriza os "primeiros princípios" é que você os usa até ao tentar negá-los.
(A) Princípios Fundamentais da Lógica
(1) Princípio da Identidade
* "A é A."
* Todo objeto é idêntico a si mesmo em todos os momentos.
(2) Princípio da Não-Contradição
* "Não é possível que A seja A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo aspecto."
* Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente.
(3) Lei do Terceiro Excluído
* "Ou A é A ou não-A."
* Para qualquer proposição, ela é verdadeira ou falsa. Não há um terceiro estado intermediário.
(B) Silogismos
Um tipo comum de argumento lógico é o silogismo, que consiste em três frases:
* Premissa maior: Uma declaração geral que estabelece um princípio.
* Premissa menor: Uma declaração que aplica o princípio a um caso específico.
* Conclusão: A dedução lógica das premissas.
Exemplo:
* Premissa maior: Todos os humanos são mortais.
* Premissa menor: Sócrates é um humano.
* Conclusão: Portanto, Sócrates é mortal.
(C) Leis do Silogismo
* É OBRIGATÓRIO que tenha EXATAMENTE 3 termos para ser válido.
* Se A implica B e B implica C, então A implica C.
* Os princípios lógicos podem ser combinados para construir argumentos válidos.
Premissas e Conclusões
* Premissas: Declarações que fornecem as bases para uma conclusão.
* Conclusão: A afirmação inferida das premissas.
Validade e Sanidade
* Validade: Um argumento é válido se a conclusão seguir logicamente das premissas.
* Sanidade: Um argumento é sadio se as premissas forem verdadeiras e o argumento for válido.
(D) Regras do Quadrado lógico
Na lógica aristotélica, existe ainda uma diferença de compatibilidade entre proposições relacionadas na forma de "contrárias", "subcontrárias" e "contraditórias":
(1) Contraditórias (se uma é verdadeira, a outra é falsa);
(2) Contrárias (não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo no mesmo sentido, mas podem ser falsas ao mesmo tempo pois comportam mais de 2 possibilidades entre si);
(3) Subcontrárias (não podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo).
d) INTELIGÊNCIA
Inteligência é a capacidade de associar entes reais ou abstratos através da mente. Todavia, da inteligência nem sempre se segue a Verdade, seja por confusão, premissas falsas, erro sincero, corrupção da inteligência, enviesamento, pecado, etc, apenas para citar alguns entre tantos exemplos de como a inteligência pode nos induzir ao erro se não for exercitada em sua vontade de encontrar e se harmonizar com a Verdade.
2. O QUE É O PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO?
A lógica tradicional (https://t.me/FilosofiaEAfins/47510) se estrutura a partir dos "primeiros princípios (https://t.me/FilosofiaEAfins/44654)" que, para São Tomás, se sintetizam no "princípio da não contradição (https://t.me/FilosofiaEAfins/48666)" que pode ser explicado pela velha fórmula de Parmênides (https://t.me/FilosofiaEAfins/47791): "O Ser É, O Não-Ser não É."
Mas paradoxos (https://t.me/FilosofiaEAfins/30973) acontecem em sistemas baseados na lógica tradicional. Então, como tenho influências de pensamento oriental (https://t.me/FilosofiaEAfins/44681), fui avaliar um pouco sobre "lógicas paraconsistentes (https://t.me/FilosofiaEAfins/48920)" após a nota de falecimento do filósofo Newton da Costa (https://t.me/FilosofiaEAfins/48919).
Se a lógica tradicional está fundada no "princípio da não-contradição", as lógicas paraconsistentes lidam com sistemas em que se admite P ^ ¬P ao mesmo tempo (simplificando MUITO a coisa toda). Na prática, normalmente quando temos uma afirmação "A" e sua negação "não A", então uma delas tem que ser verdadeira e a outra falsa. Mas, na lógica paraconsistente, "A" e "não A" podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Só que aqui isso não é absurdo e é possível entender esses casos. Por ex.:
Na frase "Esta frase é falsa", se a frase for verdadeira, então ela é falsa. E se ela for falsa, então ela é verdadeira. Essa frase cria um PARADOXO que a Lógica Clássica não consegue resolver mas que na lógica paraconsistente se "resolve" aceitando que a frase pode ser "verdadeira" e "falsa" ao mesmo tempo. Resolvendo de verdade o problema no nível da linguagem mas não no nível lógico quando comparado com a ontologia da lógica tradicional.
Eu já disse na Ágora, em outro momento, que a lógica pode, mas não deveria, ser separada da ontologia (https://t.me/FilosofiaEAfins/43572) (até porque, o axioma dado por Parmênides em "O Ser É, O Não-Ser não É" precisa ser lido à luz de "O Ser o Pensar são Um"). Então, à primeira vista, o "problema do discurso falso (https://t.me/FilosofiaEAfins/41794)" e o "problema do uno e dos múltiplos (https://t.me/FilosofiaEAfins/47366)" estão em níveis diferentes com um "gap" entre sua correspondência (https://t.me/FilosofiaEAfins/44804), então "ou o Ser e o Pensar NÃO SÃO UM" na ontologia ou o "Ser e o Não-Ser" não se aplicam à linguagem (e esta segunda acepção me parece mais adequada). Vide, o problema do "nada", mais adiante no texto.
E SE as cosmovisões e sistemas filosóficos que são construídos nem sempre estiverem encaixando "verdades compatíveis" entre si, mas sim encaixando "convenções e impressões" às verdades?
Normalmente se encara um "paralogismo" em Lógica/Filosofia como "um raciocínio errado feito de boa fé" (o oposto de "sofisma", que já se propõe desde o princípio a enganar), mas não entendo que seja assim: acredito que paralogismos são inconsistências resultantes do "volume de dados" considerado a partir de incompatibilidades reais entre "o que É" e "o que se DIZ" (assim como no exemplo que mencionei de uma "possível" incompatibilidade plena entre o "princípio da identidade" e o "princípio da não-contradição") e digo isso, inclusive a partir da minha experiência de "travar" diante do tema: foram tantos os pontos que precisei manter coesos entre si que, nas primeiras tentativas de escrever e organizar este artigo, eu TRAVEI! É como se, na realidade, tivéssemos dois sistemas distintos atuando ao mesmo tempo, mas NEM SEMPRE em conjunto: o "ser" o "logos" estariam em níveis diferentes, entendem? Os paralogismos seriam apenas a atitude de "abraçar duas verdades nem sempre conciliáveis nos dois níveis" (ontológico e cognitivo).
Por acreditar que a complexidade do tema merece um pouco mais de contexto, segue abaixo a transcrição do exato diálogo inicial na Ágora que me levou a escrever o presente artigo:
2024/7/1
Eu: - Bom dia pessoal! Espero que estejam todos bem!
Me permitam confessar uma coisa e, quem puder me auxiliar, estou pedindo ajuda num tema:
Faz alguns dias, resolvi que iria escrever um artigo de meu próprio punho sobre como enxergo o "princípio da não-contradição" dentro do meu sistema filosófico de pensamento (é uma questão pessoal minha, eu acredito que eu tenha que fazer isso, meu "daemon" me incomoda a fazê-lo) e aí... eu "travei".
(...)
Eu não sei se estou falando besteira e "viajando na maionese", mas parece que o "princípio da não-contradição" e o "princípio da identidade" não são totalmente compatíveis entre si.
Minha primeira impressão sobre isso foi justamente ter notado na prática, em mim e nos outros, uma tendência a avaliar alguns assuntos a partir de sistemas de pensamento diferentes. Exs.:
1) Wittgenstein tem 2 abordagens (aparentemente) incompatíveis para a teoria da linguagem: a da primeira e da segunda fase;
2) Kierkergaard, em "O Conceito de Angústia"), aponta que existem contradições presentes na lógica que não se verificam na realidade (e vice-versa);
3) Um mesmo hardware pode ter em si 2 (ou até mais) sistemas operacionais instalados em si e esses sistemas DE FATO tem habilidades específicas em que uma tarefa pode ser feita em um e não pode ser feita em outro;
4) Na Física, tanto a interpretação de Copenhague quanto a de Bohm coexistem e são usadas para resolver problemas reais mas partem de pressupostos diferentes e, ainda assim, são intercambiáveis para resolver problemas pontuais.
...Tipo, como assim?! Partindo de premissas diferentes chegar a um mesmo lugar "ok", mas premissas "incompatíveis"... soa ABSURDO!
E SE as cosmovisões e sistemas filosóficos que são construídos nem sempre estiverem encaixando "verdades compatíveis" entre si, mas sim encaixando "convenções e impressões" às verdades? ⏬
https://t.me/FilosofiaEAfins/48921
(...)
O que me levou a estudar lógica, em primeiro lugar, foi a necessidade de não ser enganado, mas a isca que me fisgou foram os paradoxos... E paradoxos existem nos dois sistemas, só que a lógica paraconsistente os ASSUME.
Essa mensagem vai ser editada para linkar as referências que estou usando dentro do texto (recomendo que quem se propuser a me ajudar RELEIA o texto após eu inserir os links das referências ao longo do texto).
Alguém se propõe a comprar essa briga e me ajudar?
(...)
https://t.me/FilosofiaEAfins/48922
Evandro: - Realmente, é hard a sua dúvida. Eu sou descrente em contradições reais, mas apenas aquelas que uma "lógica" ad hoc resolve não resolver, mas apenas "assume" que V e F coexistam sob o mesmo aspecto, de modo que "uma coisa possa ter e não ter o mesmo atributo, sob o mesmo aspecto/sentido/significado, em ato. Pois acredito que a coisa possa ter e não ter o mesmo atributo/predicado, no mesmo aspecto, P em ato e não-P em potência, simultaneamente, mas segundo aspectos distintos de ato e potencia. Ficou prolixo, mas foi para ficar mais claro. Indo mais a fundo, creio que ela resolve assumir na linguagem o que não resolve onto-logicamente, ou seja, assume (finge) que há contradição ao abstrair a ontologia do ato e potencia para fins estritos. Mas continuará dentro da "doutrina do ato e potência" e da logica classica, inescapavelmente por "conhecimento por presença", ou seja, como um suposto velado condutor dos raciocínios reais de sua logica (sintática), para-constistente. O operador da paraconsistência maqueia, ou mantém em segundo plano, os princípios clássicos por conveniência pragmática. Uma vez, assisti um colóquio do Newton da Costa onde ele exemplificou que a logica paraconsitente poderia ser utilizada em sistema de radares em que o objeto detectado fosse ambíguo e os dados incompletos para saber se o objeto era um míssíl ou aeronave. O que se dá é que sempre estamos na prática tendo que trabalhar ou lidar com informações incompletas e estas lógicas são ferramentas que tentam contornar tais coisas, embora não seja somente isso, pois acabam ganhando vida propria como uma matematica abstrata ao quadrado ao cubo...O caso dos paradoxos frasais são apenas jogos de linguagem que não usam referentes reais, e em seu lugar outro signo de modo circular autorecorrente.
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Eu: - Evandro, quais motivos você considera que pesam contra a existência de "contradições reais"?
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Evandro: - O motivo é que a não contradicão é deduzida da identidade
https://t.me/FilosofiaEAfins/48927
O que é não pode não ser, sob o mesmo aspecto, porque é o que é.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48928
Elbandollo: - No exemplo 3, vc usa o hardware para fazer uma analogia.
Entretanto, vc percebe que, quando escolhe trabalhar com um S.O. vc exclui a possibilidade de trabalhar com o outro (ou outros)?
Tratando da lógica, vc entende que pode usar princípios da lógica difusa para tentar explicar seus argumentos, não é?
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Evandro: - Única exceção à contradição é o Ser necessário, pois nem tem como dizer que não-Ser.
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Mas no mundo sublunar, o princípio não contradição é absoluto
https://t.me/FilosofiaEAfins/48931
sublunar é metafora que dividiam o mundo sublunar e o dos astros, rsts
https://t.me/FilosofiaEAfins/48932
Eu: - Ok. Acho que estou chegando a algum lugar agora.
No áudio eu mencionei o problema de "conceitos guarda-chuva". Se admitirmos que "a Identidade É" esse princípio não seria um "conceito guarda-chuva" já que "algo existir" não necessariamente quer dizer "o que algo é"?
Acho que pode ter algo aí. Até o presente momento penso que derivar a "não-contradição" do "princípio da identidade" PODE não ser uma dedução necessária, mas acidental e a posteriori.
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Evandro: - é de se pensar melhor... vou meditar melhor sobre isso que levantou...
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Eu: - Creio que estou "destravando". Se o princípio da não-contradição tem exceção no Ser necessário então ele TEM EXCEÇÃO. Taí. Meio que é isso.
Vou continuar meditando e verei onde isso vai dar.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48935
Lógica difusa pode ser um caminho, mas confesso que ainda não estou bem conceitualmente familiarizado com os desdobramentos. Tenho que ler mais a respeito.
Poderia dar continuidade ao comentário ou mesmo sugerir obras de referência sobre Lógica difusa?
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Elbandollo: - As obras referentes a esse assunto podem ser pesquisadas na internet, mas ela basicamente se simplifica na ideia do quanto algo é ou nao.
Por exemplo....
Para avaliar se uma atitude é boa ou má. Dai parte-se do questionamento do "quão bom isso é sem ser tao mal". Em outras palavras, podemos dizer que existem variâncias entre o que é completamente bom e o que é completamente mal.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48937
Eu: - Acredito que minha analogia dos sistemas operacionais acabou não sendo das melhores. Eu poderia ter utilizado a analogia de como aplicativos e programas podem ser escritos em mais de uma linguagem com propriedades diferentes e atuando de forma simultânea para executar uma tarefa, mas só me ocorreu fazer essa correção depois do seu comentário.
...Outra analogia que teria sido melhor seria se eu tivesse mencionado a questão das máquinas virtuais, pois você consegue "emular" um sistema operacional dentro de outro sistema operacional. 🤷🏻♂
https://t.me/FilosofiaEAfins/48939
Evandro: - vou tentar resumir a tese assim: seja qual for a lógica assumida, o princípio de não contradição vai ser o balizador das inferências internas respectivas, de modo a não validar uma mudança de regras assumidas por ser contraditório. O lógico não pode começar assumindo regras de inferencia paraconsistentes A e terminar ou no meio do caminho alterar de regra A para não-regra A de inferência, pois será contraditório.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48940
Mas temos que atentar que para averiguar essa exceção usamos o proprio princípio, ou não?
https://t.me/FilosofiaEAfins/48941
Eu: - Boa! Isso situaria o problema que conversamos como um problema das "lógicas informais" por conta da polissemia. Já dentro da criação de sistemas lógicos, em qualquer sistema que se realizasse seria preciso um "princípio de não-contradição".
Mas a nível psicológico tenho alguns problemas com isso justamente porque o princípio da não-contradição se estabelece a partir da diferenciação entre o "eu" e o "outro", portanto psicologicamente "a posteriori".
É um ponto passivo na Psicologia a crença que a criança se entende como "parte da mãe" e a vai se individualizando num processo "a posteriori".
O Joe Rogan alega ter tido uma experiência mística nesse sentido quando entrou um tanque de privação sensorial: na ausência de sentidos ele diz que se viu como "em unidade com um TODO maior".
https://t.me/FilosofiaEAfins/48942
Evandro: - Talvez o principio de não-contradição é adequado à tudo que é contingente, mas não ao único Ser necessário, sem que isso seja uma exceção real, mas simplesmente por ser incabível aplicar ao que não pode não ser contingencialmente.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48943
Ele não pode não ser absolutamente e portanto sob nenhum aspecto. E o princípio já começa subtentendo aspectos contigentes, me parece.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48944
só uma última pontuação pra esclarecer: "Conhecimento por presença" é esse tipo de suposto envolvente que temos que assumir mesmo quando não temos consciencia ou quando negamos ou assumimos diversamente, vamos dizer "só da boca pra fora", mas na fenomenologia concreta levamos em conta sempre sua presença. Por exemplo, a doutrina da causalidade e a do ato e da potencia é um suposto presente sempre a meu sentir e, naturalmente, a não-contradição.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48947
Eu: - Deixa eu tentar organizar algumas coisas aqui pois me parece que temos uma hierarquia entre os primeiros princípios.
Metafísicos (O Ser):
1 - Princípio da Identidade = Ser
2 - Princípio da necessidade existencial = O Ser necessário É
3 - Princípio negativo da modalidade = Um ser necessário não pode causar um ser necessário
Transicionais (Potência ao Ato):
4 - Princípio do Terceiro Excluído = Ou Existir Ou Inexistir
5 - Princípio da Causalidade = Inexistência não pode causar existência
6 - Princípio da Necessidade = Apenas um Ser necessário pode causar um ser contingente
Acidentais (Não têm existência necessária):
7 - Princípio da Não-Contradição = Existir é não inexistir
8 - Princípio da Contingência: O contingente deriva sua existência do Ser necessário
9 - Princípio da Existência = A existência existe
10 - Todo ser contingente é causado por um Ser Necessário
11 - Princípio da analogia = O efeito guarda alguma semelhança com sua causa
12 - Princípio da contingência existencial = o ser contingente existe
https://t.me/FilosofiaEAfins/48949
Evandro: - "Existência é o resultado de se ter o ser, não é ato, mas fato". Nesse enfoque, o ato de ser de um ente é um fato participado do puro Ato, limitado pela sua natureza. O princípio de não-contradição é necessário para algo ser (árvore de Porfírio), só por isso não colocaria como acidental, mas metafísico mesmo, no 2, como necessário para algo existir. Ter aptidão para existir tem de ser não-contraditorio consigo mesmo (sua essência). Algo é impossível ou possível de existir; se possível, é inexistente ou existente, se existente, é necessário ou contingente.
PS: minha opinião é que a classificação do modo da árvore Porfírio ganha destaque devido a diferenciar as coisas da forma mais apodítica e certa que é por contradição e não por meros contrários, e isso implica no uso desde o início da não-contradição para predicar e chegar às diferenças específicas (espécies). A divisão primordial é por contradição (no sentido da não-contradição) e não por contrários. Mas ainda em formação essa sugestão intuitiva...
https://t.me/FilosofiaEAfins/48950
Eu: - Entendi. Aceito o critério de que "o princípio de não-contradição é adequado à tudo que é contingente, mas não ao único Ser necessário, sem que isso seja uma exceção real (...) por ser incabível aplicar ao que não pode ser contingencialmente."
Não estava claro pra mim o que fazer com o princípio de não-contradição sendo que é ele que (com o perdão da expressão imperfeita) "divide" o Ser nos entes.
Trocando em miúdos: "se existem entes, existe o princípio da não-contradição" porque coisas passam a existir (além e) a partir do Ser. O Ser deixa de ser tudo que há para abarcar também os entes.
...Vou reler isso tudo para verificar se ainda tem alguma coisa para amarrar.
https://t.me/FilosofiaEAfins/48951
Logo de cara, o problema que parece permanecer é justamente alguma distância entre o "Logos" e o "Ser".
Admitindo que o princípio da não-contradição estabelece metafisicamente a divisão das coisas (ontologicamente) de um lado, por outro ângulo, a linguagem pode incorporar (e, de fato, incorpora) as contradições na forma de loopings / paradoxos.
Já postei anteriormente na Ágora que imagens/gestalts também podem ser paradoxais (inclusive, suspeito de que em vários aspectos sensíveis, tanto no "prazer pelo mal" quanto nos sentidos mesmo, como em loopings visuais ou musicais).
https://t.me/FilosofiaEAfins/48952
Evandro: - Será que essas aporias não se resolvem se mostrar-se necessária uma divisão extra para comportar o que não se previa? Mas fico em reserva mental quanto às questões psicológicas ou de gestalt pois não me inteirei delas para responder a você que entende melhor por ser da área👍
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Eu: - Ajudou muito!
Vou retomar a escrita e verei se consigo inserir essa categoria extra.
Valeu!
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Dado o contexto, é importante citar que, "paradoxos frasais" são apenas jogos de linguagem operando de modo circular num mecanismo de autorreferência. Então... o que viria a ser um "paradoxo real" ou, como costuma ser dito, uma "contradição real"? Se os princípios pelos quais entendemos a experiência da realidade residem "in res" (nas coisas) isso parece derivar que "contradições reais" ou (ao menos) "paradoxos reais" também existem nas coisas (e não apenas nas ideias ou na linguagem). Seria isso verificável? Tentaremos responder a esta pergunta construindo uma rede de (talvez) exemplos de "exceções" ao princípio da não-contradição no capítulo a seguir.
31/08/2024 - 4 PROBLEMAS (LINGUÍSTICOS) EXTRAS:
1) Por que diabos, no uso diário, as palavras "contrário" e "contraditório" são usadas como sinônimas e como diabos isso aconteceu? 🤦🏻♂️
2) Como diabos conseguimos extrair verdades de proposições imprecisas já que os termos e definições se encontram em (alguma) transformação?
3) Como diabos conseguimos extrair verdades de proposições se (alguns) fatos no mundo se encontram em (alguma) transformação?
4) A substância de um ente de razão (imutável) é arbitrária se entendermos que "uma proposição verdadeira deve corresponder ao ESTADO real das coisas?"