‘Milícia da GCM': operação mira guardas municipais suspeitos de cobrar taxas de segurança na cracolândia

‘Milícia da GCM': operação mira guardas municipais suspeitos de cobrar taxas de segurança na cracolândia

oglobo.globo.com

Quatro dos sete alvos de mandados de prisão da operação Salus et Dignitas, deflagrada nesta terça-feira pelo Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), são ligados a Guarda Civil Metropolitana (GCM), sendo três agentes da ativa e um que já deixou a corporação. Eles são acusados de cobrar taxas de comerciantes e moradores da região de Campos Elíseos e da Luz, onde fica a cracolândia, em troca de proteção contra roubos.

O suposto esquema de extorsão de moradores e comerciantes da região foi revelado em junho de 2023, por reportagens da Band. Segundo as investigações, os agentes eram contratados por síndicos de condomínios, donos de restaurantes e de comércios da região para retirarem os dependentes químicos de seus arredores e também para impedir roubos. O grupo teria chegado a receber R$ 6 milhões em propina no período de quase um ano.

Foram presos os agentes Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava. Já Elisson de Assis e o ex-GCM Rubens Alexandre Bezerra, que foi expulso da corporação em julho de 2019, estão foragidos.

Em nota, a Prefeitura afirmou que em junho do ano passado já havia pedido ao Ministério Público a prisão preventiva do guarda Elisson de Assis, mas que o processo havia sido arquivado pelo órgão. Destacou ainda que o processo de expulsão de Elisson está concluído, enquanto os outros agentes envolvidos, Antônio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava, foram afastados e o processo de expulsão está em andamento. Em relação a Rubens Alexandre Bezerra, a informação é que ele foi expulso da corporação em julho de 2019.

O promotor do Gaeco, Lincoln Gakiya, disse em coletiva nesta tarde que o inquérito de fato foi arquivado, mas depois houve outra representação no Ministério Público que seguiu investigando o esquema.

— Se naquele momento foi arquivado, é porque naquele momento não havia elementos suficientes para a investigação. Mas o arquivamento sempre pode ser revisto, e neste caso nem foi preciso porque o investigado foi preso hoje em conjunto com as nossas forças de segurança — falou.

O prefeito Ricardo Nunes diz que “a prefeitura desconhece a atuação de milícias na cidade de São Paulo” e que a atuação errada de alguns “não pode manchar a imagem da corporação”. O termo "milícia" é utilizado pelos próprios promotores no pedido de busca e apreensão e prisão dos envolvidos.

— Dois agentes envolvidos já haviam sido expulsos, e os outros dois ficam afastados e serão expulsos a partir de hoje — explicou o prefeito.

O pedido de prisão dos GCMs foi feito por promotores do Gaeco. No ano passado, o caso de Elisson chegou a ser investigado pela Polícia Civil, que concluiu que não havia indícios de que ele cometeu crimes. Na ocasião, a Polícia Civil ouviu síndicos de prédios e donos de restaurantes do bairro de Campos Elíseos, e todos eles afirmaram ter contratado a empresa de segurança Law e Force LTDA, cujo sócio é Elisson, por indicação de pessoas da região, e que não houve nenhuma extorsão ou ameaças para aderirem ao serviço, que seria independente do trabalho da GCM. Elisson admitiu que é dono da empresa desde 2022, mas afirmou que nunca extorquiu ninguém para contratá-lo.

Entenda a "milícia" dos GCMs

Segundo as investigações do MPSP, o GCM Elisson de Assis tinha duas empresas de segurança privada e sua esposa, Mayara Ximenes do Nascimento, era “laranja” da empresa, mas na realidade era o agente que tocava os negócios. O MPSP identificou uma lista de “colaboradores de boa fé que pagam a segurança”. Na lista, há comerciantes, síndicos de condomínios, dentistas, lanchonetes e restaurantes.

O Gaeco analisou informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que identificou movimentações financeiras intensas de débitos e créditos nas contas de vários agentes da GCM, alguns da ativa e outros já fora da corporação. As movimentações ocorreram entre julho de 2020 e dezembro de 2021. Segundo os promotores, há indícios de que os agentes cometeram os crimes de lavagem de dinheiro, extorsão e constituição de milícia. As intensas trocas de transferências se davam entre agentes da GCM e até mesmo entre familiares de agentes. Foi o caso de 18 transações via Pix recebidas por Elisson de uma mesma mulher, que vivia com o agente da GCM Tiago Moreira da Silva, totalizando R$ 22 mil. A mesma mulher transferiu, em 53 transações via Pix, o valor de R$ 106 mil em favor de Tiago.

Também chamou a atenção dos promotores a movimentação frequente de valores entre Antonio Carlos e diversos agentes da GCM, entre 2020 e 2022, o que indica, segundo os investigadores, que ele comandava o esquema de milícia na região.

Além disso, houve a identificação de uma relação financeira estreita entre GCMs da ativa com Rubens Alexandre Bezerra, que foi expulso da corporação e é acusado de comercializar armas e munições com os agentes, além de equipamentos que captam a radiofrequência dos rádios usados pela Polícia Militar, por exemplo.

“Em síntese, há fundados indícios da existência de um grupo criminoso organizado, atuando na região Central de São Paulo, dedicado ao comércio ilegal de armas e atividade de milícia, com a prática de extorsões contra comerciantes”, destacam os promotores no relatório da investigação.

Megaoperação mira 'ecossistema' de crimes do PCC

A megaoperação desta terça cumpriu cinco dos sete mandados de prisão, e prendeu mais cinco pessoas em flagrante. A operação mira sobretudo hotéis, pensões e ferros-velhos que seriam usados pelo PCC para lavagem de dinheiro e distribuição de drogas, além de uma espécie de "milícia" formada por agentes da GCM, que segundo as investigações estaria cobrando para fazer a segurança de estabelecimentos na área.

Segundo o MP, a ação tem como objetivo acabar com "um ecossistema de atividades ilícitas" na cracolândia. Ainda de acordo com promotores do Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o tráfico de entorpecente "é apenas uma das atividades dentro do repertório criminoso dessa região, que envolve profusas atividades ilícitas, como o comércio ilegal e receptação de peças veiculares, armas e celulares, contaminação do solo com a reciclagem e ferro-velho, exploração da prostituição, captação ilegal de rádios transmissores da polícia, submissão de pessoas a trabalho análogo a escravo, entre outras graves violações a direitos humanos".

Entre as violações de direitos humanos, estão, segundo as investigações, a exploração de dependentes químicos e pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo crianças, para se prostituírem na região em troca de drogas. Além disso, dependentes químicos seriam cooptados para roubar fios de cobre da rede de energia elétrica da cidade e levar os itens até ferros-velho, que trocam os materiais por drogas.

Segundo Gakiya, esse é "o começo da operação", que deve seguir mirando essas atividades ilícitas que financiam o tráfico no centro da capital.

Source oglobo.globo.com

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