Manifesto de especialistas sobre as enchentes em Porto Alegre

Manifesto de especialistas sobre as enchentes em Porto Alegre

Professor Thiago Espindula

Dias atrás, compartilhei uma nota técnica (clique aqui para acessá-la), do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que serve de subsídio para uma reflexão a respeito das enchentes que atingem Porto Alegre e a região metropolitana.

Passados alguns dias da publicação anterior, volto a compartilhar mais uma importante reflexão produzida por vários especialistas a respeito do que está ocorrendo, como solucionar e o que deve ser feito depois para que as inundações não voltem a ocorrer.

Reforço a importância da leitura de ambos os textos, já que, a partir delas, é possível que a sociedade possa orientar corretamente o pensamento e fazer as exigências focadas nos pontos importantes, evitando uma dispersão de pautas que permita que o poder público escape pelas brechas da confusão de reivindicações desorientadas.

Digo isso porque, após todo evento de grande projeção midiática, aparece todo tipo de aventureiro e de especialista de ocasião para levantar as mais absurdas teses sobre o que estaria acontecendo, sem conhecer minimamente a realidade política, urbana, hidrológica, geomorfológica e climática do Rio Grande do Sul. E todas essas teses amalucadas apenas afastam a população de uma compreensão que possa converter-se em reivindicações pontuais e concretas que efetivamente mudem o cenário.

O que ocorre em Porto Alegre e na região metropolitana é um misto de condições meteorológicas específicas somadas aos aspectos hidrológicos e de relevo, tudo isso catalisado por escolhas políticas infelizes, por negligências na manutenção das estruturas de proteção contra inundações e pela ausência de atualizações necessárias dessas estruturas, todas oriundas dessas escolhas políticas infelizes.

Apenas cientes dos aspectos técnicos é que a sociedade pode fazer as reivindicações adequadas de mudança e responsabilizar aqueles que tornaram possível tudo que está acontecendo em Porto Alegre e na região metropolitana. Embora setores da mídia corporativa insistam que "não é hora de apontar culpados", numa clara intenção de blindar os responsáveis; é hora da população, enquanto reconstrói sua vida destruída pela catástrofe, entender o que ocorre, para que possa fazer escolhas políticas mais virtuosas no futuro e para que possa orientar suas reivindicações no sentido correto. Como todos esperam que isso não volte a ocorrer, apenas com uma mudança nas escolhas pode-se evitar novas catástrofes.

Certamente, o debate sobre a catástrofe que se abateu sobre Porto Alegre e sobre a região metropolitana estará no centro das discussões eleitorais em um ano de eleições municipais, e a compreensão técnica do que ocorreu e de tudo que foi feito de errado é fundamental para que a sociedade possa exigir dos candidatos ações corretas em um ano em que eles estão especialmente suscetíveis a ouvir a população (já que querem votos).

Figuras do poder público e da mídia corporativa dizem que "não é hora para política" enquanto fazem política com cada palavra que pronunciam, em um velho jogo de falsa conduta desinteressada, rotulando como "politização e polarização" o que é na verdade reivindicações legítimas e responsabilizações necessárias.". Tudo isso é feito para blindar todos os que tornaram possível que um evento meteorológico de grandes proporções se transformasse em uma tragédia humana terrível. Dentro desse cenário, é hora sim para reivindicações e responsabilizações, desde que tudo esteja orientado pela observação técnica correta do que aconteceu e voltado para melhorar as condições de vida da população, e sempre destacando a importância de repelir qualquer uso demagógico do momento por falsos salvadores.

Se a hora da reconstrução não é momento para responsabilizações, balanços e reflexão sobre novas formas de fazer, que hora será a correta? A resposta a essa pergunta conduz a uma outra: reconstruiremos o Rio Grande do Sul de maneira adequada ou do mesmo jeito vulnerável a tragédias?

A seguir, vocês podem ler o manifesto compartilhado por especialistas, reflexão muito mais necessária do que essa minha breve introdução ao tema.

"Manifestação aos portoalegrenses sobre o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre.

O Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente, e fácil de operar e manter.

Vamos explicar porque não está atuando adequadamente, como é possível fazê-lo operar imediatamente com medidas emergenciais para retirar as águas internas de Porto Alegre e como já poderia ter sido ampliado e modernizado devendo sê-lo imediatamente a seguir.

O Sistema é por nós bem conhecido, temos conhecimento adequado e temos condições de oferecer expertise necessária para ajudar a Cidade.

Preliminarmente também desejamos exaltar o esforço e a dedicação extraordinárias atualmente realizadas pelos servidores do DMAE, que atuam em situação muito desfavorável, faltando nada menos de 2400 funcionários no Plano de Pessoal da autarquia. Igualmente participamos e somos solidários com o enorme contingente de voluntários que amenizam a dor dos atingidos.

1 – SISTEMAS DE PROTEÇÃO CONTRA INUNDAÇÕES E DE DRENAGEM PLUVIAL DE PORTO ALEGRE

O Sistema de Proteção contra Inundações é composto por aproximadamente 60 km, desde a Av. Assis Brasil com a Free Way (norte) até o Morro da Assunção (sul). Nesta sequência temos os diques externos: Free Way, Av. Castelo Branco, Av. Beira-Rio e Av. Diário de Notícias. Entre a Rodoviária e o Usina do Gasômetro foi implantado o Muro da Mauá. Ainda compõem o Sistema os diques internos que são formados pelas margens na cota de 6,0m dos principais Arroios que deságuam no Guaíba, especialmente a Av. Ipiranga (Arroio Dilúvio). As aberturas na Av. Castelo Branco e Muro da Mauá são feitas através de 14 comportas. Ao longo do Sistema existem 23 Casas de Bombas, que também possuem comportas. Este Sistema, quando totalmente fechado impede o extravasamento das águas sobre a Cidade. Impede a inundação até a cota de 6,0m (6,0m acima do mar). E como são retiradas as águas geradas dentro de Porto Alegre (solução para os alagamentos-drenagem)? Através do bombeamento das Casas de Bombas, diques internos e Condutos Forçados (Dutos que levam as águas para o Guaíba em dutos completamente fechados desde pontos mais altos). Ou seja, os dois sistemas – de Proteção contra Inundações e de Drenagem – necessitam funcionar integradamente.

Por que estes Sistemas vazam, não estão funcionando adequadamente? Porque não tem a necessária manutenção permanente, especialmente em relação às comportas, tanto as ao longo do Muro e abaixo da Av. Castelo Branco, bem como as comportas junto às Casas de Bombas.

Os diques e os muros não vazam! Os vazamentos estão em boa parte das comportas sem manutenção. No ano passado, quando o Sistema foi acionado, durante as inundações com início no Vale do Taquari e que também inundaram a Região Metropolitana, as deficiências nas comportas ficaram visíveis. Fáceis de serem sanadas, mas não foram. As próprias Casas de Bombas, bem como as Estações de Bombeamento de Água Bruta (EBABs) estão inundadas.

2 – MEDIDAS EMERGENCIAIS PARA O FUNCIONAMENTO DAS CASAS DE BOMBAS

É necessário o fechamento dos vazamentos nas comportas para evitar a entrada (e retorno) das águas do Guaíba, recompor os Condutos Forçados e bombear as águas da inundação de Porto Alegre para o Guaíba através das Casas de Bombas ou alternativamente.

Propomos as seguintes medidas:

– Através de mergulhadores vedar as comportas do Muro e Av. Castelo Branco, com sacos permeáveis à entrada de água preenchidos com areia misturada com cimento, borrachas e parafusos. Sugerimos prioridade para a comporta 14 que invadiu o bairro Navegantes;

– Também com mergulhadores vedar as comportas e colocar ensecadeiras nas Casas de Bombas com Stop Logs, solda sub-aquática e bolsas infláveis de vedação;

– Vedar hermeticamente as tampas violadas dos Condutos Forçados Polônia e Álvaro Chaves;

– Com as Casas de Bombas secas e protegidas por ensecadeiras, reenergizá-las, o que pode ser realizado com redes paralelas de cabos isolados pela Equatorial. Se assim não for possível, utilizar diretamente nas Casas de Bombas geradores movidos a combustível;

– Caso não seja possível operar imediatamente as Casas de Bombas, utilizar bombas volantes de grande vazão para drenar o Centro Histórico e os bairros da região norte da No caso do bairro Sarandi, onde as águas superaram a cota de 6,0m e a Casa de Bombas nº 10 está completamente inundada, é certo que serão necessárias bombas volantes;

Com as comportas vedadas e conseguindo fazer operar as Casas de Bombas ou com bombas volantes as águas internas de Porto Alegre poderão ser bombeadas para o Guaíba, sem que retornem.

3 – ASSIM QUE AS ÁGUAS BAIXAREM

– O DMAE necessita imediatamente consertar e, se necessário realizar eventuais substituições, das comportas do Sistema de Proteção contra Inundações;

– O DMAE necessita imediatamente contratar a regularização do funcionamento das Casas de Bombas, incluindo a sua ampliação e aperfeiçoamento, tendo por referência o Plano elaborado pelo DEP ainda em 2014 e cujos recursos financeiros de R$ 124 milhões a fundo perdido foram perdidos em 2019. Tratam-se das Casas de Bombas 12; 13; 14; 15; 16; 1; 2; 3; 4; 5; 6 e 10;

– Retomar o Plano de Desenvolvimento da Drenagem Urbana, elaborado desde 1998, entre IPH/UFRGS e DEP, constituindo o caderno do Plano para ampliação do Sistema de Proteção contra as Cheias, base para contratação, em 2014, do PAC-Prevenção, um conjunto de projetos de ampliação e modernização das Casas de Bombas;

– Considerando que a Cidade possui mais de 40% de sua área praticamente na mesma cota das águas do Guaíba em tempos normais, tem a necessidade de completar, aperfeiçoar e manter o seu Sistema de Drenagem Urbana, manter e aperfeiçoar permanentemente o seu Sistema de Proteção contra inundações, é necessário e urgente recriar uma estrutura de primeiro escalão, o DEP ou semelhante. As empresas de saneamento de água potável e esgotos, por absoluta emergência e por ter tarifa específica para estas atividades, como é o caso do DMAE, não tem e não terão qualquer prioridade para as atividades de drenagem urbana e proteção contra inundações;

– Estudar a ampliação e o aperfeiçoamento, a nível estadual, de alternativas para os sistemas de proteção contra inundações, em especial, em nosso caso, considerando a região Metropolitana de Porto Alegre. Lembramos que a Metroplan já realizou um estudo com esta finalidade que deve ser avaliado.

Porto Alegre, 13 de maio de 2024.

(Assinam o manifesto...)

• Augusto Damiani, º Civil, Ex-diretor geral do DEP e DMAE, Hidrólogo e Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo IPH/UFRGS;

• Arnaldo Dutra, Engenheiro, Ex-diretor geral do DMAE e Ex-presidente da CORSAN;

• Betania Alfonsin, Pesquisadora do Observatório das Metrópoles e do Mestrado em Direito da FMP e Diretora de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico;

• Carlos Bernd, Eng.º Civil, DEP, Ex-diretor da DOP, Diretor da ASTEC;

• Carlos Roberto Comassetto, Eng.º Agrônomo, Ex DEP, Especialista em Planejamento Ambiental de Território, Vereador de Porto Alegre por 20 anos;

• Carlos Atílio Todeschini, Eng.º Agrônomo, Ex-diretor de Conservação do DEP, Ex-diretor geral do DMAE, Ex-vereador de Porto Alegre;

• Daniela Bemfica, Eng.ª Civil, Hidróloga, Mestre em Recursos Hídricos e Ex-diretora geral do DEP;

• Guilherme Barbosa, Ex-diretor geral do DMAE, Ex-secretário do Obras, Ex-vereador de Porto Alegre;

• Nanci Begnini Giugno, Eng.ª Civil, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Ex-diretora de Gestão Territorial da METROPLAN, Ex-diretora do Departamento de Recursos Hídricos da SEMA, Ex-presidente da ABES/RS, Ex-diretora de Qualificação Profissional do SENGE/RS, Ex-presidente do Comitê do Lago Guaíba;

• Paulo Robinson da Silva Samuel, Eng.º Civil, atual Presidente da ABES/RS, Ex DMAE, Doutor em Engenharia da Área de Tecnologia Mineral, Ambiental e Metalurgia Extrativa;

• Rualdo Menegat, Geólogo, Pesquisador e Professor da UFRGS, Mestre em Geociências e Doutor em Ciências na Área de Ecologia;

• Vicente Rauber, Eng.º Eletricista, Especialista em Planejamento Energético e Ambiental, Ex-diretor do DEP, Ex-presidente da CEEE, Ex-diretor da Petrobrás/REFAP, Ex-diretor do Banrisul;

• Heleniza Avila Campos, Arquiteta, Professora e Pesquisadora do PROPUR e do Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre;

• Judite Sanson de Bem, Pós-doutora em Geografia, Professora da UNILASALLE, Pesquisadora do Observatório das Metrópoles;

• Beatriz Carlesso, ª Eletricista, Ex-ccordenadora da TI da CEEE, Ex-secretaria geral daquela empresa e Ex-Presidente da Fundação dos Eletricitários;

• Ivan dos Anjos, Eng.º Agrônomo, atua na área do Planejamento e Operação em Sistemas de Proteção Ambiental;

• Maria da Graça Dutra Ilgenfritz, Arquiteta e Urbanista, Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho, Mestre pelo PROPUR/UFRGS em Gestão do Uso do Solo e os Impactos Ambientais, Assessora especialista no DEP, Supervisora do Meio ambiente na SMAM, Supervisora de Planejamento Urbano na SPMU, Consultora em Gestão do Uso do Solo e Professora da ULBRA;

• Elisabeth Franke Ferreira, ª Civil e Administradora de Empresas Públicas e Privadas, Ex-administradora da Petrobrás, aposentada;

• Lilian Bercht, Eng.ª Eletricista, Ex-coordenadora de Planejamento da CEEE, Ex-chefe da Divisão de Operação e Manutenção da CEEE, Ex-chefe da Divisão de Comercialização da CEEE;

• Mirella Giugliano Grasso, Arquiteta, Ex-diretora de Conservação do DEP, Ex-assessora da PMPA no Gabinete do Prefeito;

• José Luiz Fernandes de Andrade, Eng.º Civil, empresário com participação principal voltada para o saneamento;

• Jorge Konrad, Arquiteto, Especialista em Saneamento Básico, Ex-diretor da Divisão de Água do DMAE, Coordenou o Plano Diretor de Esgotos (1995-97), arquiteto aposentado da SMOV;

• Pércio Pizzato, Eng.º Civil, Projetista de Estudos Hidrológicos e Estrutural de Ponte pela CINTEA, autor de estudos para pontes submersíveis;

• Cláudio Luiz Garcia d’Almeida, Eng.º Civil, Ex-diretor Administrativo do IPE, Ex-diretor de Obras do DAER, e atual Coordenador do Conselho Técnico Consultivo do SENGE/RS;

• Odete M. Viero, Eng.ª Civil, Ex-funcionária da DOP/DEP, funcionária aposentada do DMAE onde exerceu diversas funções;

• Adinaldo Soares de Fraga, Eng.º Civil, Especialista em Abastecimento de Água e Saneamento Ambiental, aposentado do DMAE onde foi Diretor da Divisão de Água, e Conselheiro Deliberativo junto àquele Departamento, representando o Sindicato dos Municipários;

• Alexandra R. Finotti, Doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS, Pós-doutora em Drenagem Urbana Sustentável na Ecole Nationale des Ponts et Chaussees, Paris. Coordenadora do Programa de Pós Graduação da UFSC;

• Lademir Luiz Beal, Doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental IPH/UFRGS, Professor Pesquisador na UCS, Ex-coordenador do Curso de Mestrado Profissional em Engenharia e Ciências Ambientais da UCS, Coordenador do Curso de Especialização em Tratamento de Efluentes da UCS, sócio diretor da Beal Engenharia Ambiental Ltda;

• Marcos Aurélio Soares Cruz, Eng.º Civil, Mestre e Doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo IPH/UFRGS, engenheiro da Seção de Projetos do DEP entre 2000 e 2007, membro da equipe técnica dos estudos do Plano Diretor de Drenagem Urbana de Porto Alegre, primeira etapa, 2005;

• Waldir Raupp de Assis, Eng.º Químico, Mestrado com experiência em projetos na área de tratamento de água e efluentes, bem como regularização de corpos hídricos;

• Vanessa Marx, Professora de Sociologia da UFRGS e pesquisadora do Observatório Metrópoles, Núcleo de Porto Alegre;

• Luís Ferrari Borba, º Civil, Ex-Coordenador de Obras do DEMHAB, Conselheiro do CREA/RS;

• Darci Campani, Eng. Agrônomo, Doutor, Professor da UFRGS, Ex-diretor geral adjunto do DMAE (1993 a 94), Ex-presidente da ABES/RS e Ex-presidente do Comitê Gravataí."

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