'Instrumento de pressão sobre o governo': por que o Boletim Focus do BC vem errando tanto?
Fabian FalconiElaborado a partir de consultas ao mercado financeiro, o Boletim Focus do Banco Central é um dos documentos econômicos mais aguardados por analistas do setor. No entanto, em marcadores essenciais para a direção da política do país, o relatório vem apresentando expectativas abaixo do que as que se concretizaram. Fica a questão: por quê?
Produzido semanalmente pelo Banco Central, o Boletim Focus agrega as perspectivas futuras de mais de uma centena de instituições do mercado financeiro para métricas fundamentais da economia brasileira. Entre elas estão a expectativa da inflação e do crescimento do produto interno bruto (PIB), qual será a taxa Selic e como estará o câmbio do dólar nos próximos meses e anos.
Contudo, nas edições dos últimos anos, o documento tem divulgado perspectivas consistentemente mais negativas do que os resultados econômicos que o governo aponta. Por exemplo, durante quase todo o ano de 2022, a expectativa de crescimento do PIB para 2023 ficou em 1%, ora um pouco acima, ora um pouco abaixo. Em 2023, o PIB cresceu 3,3%.
O mesmo acontece com as demais métricas, como a inflação, cuja expectativa em maio de 2023 era de 6,02%, segundo analistas do mercado. Na realidade, o ano fechou com inflação de 4,62%, conforme medido pelo Índice de Preços Amplo ao Consumidor (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A tendência pessimista do Focus tem motivos que vão além da dificuldade de fazer previsões econômicas, apontam economistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Diogo Santos, economista e doutorando em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a teoria econômica liberal é dominante no mercado financeiro.
"O que os leva a superestimar o efeito da política monetária e subestima o efeito da política fiscal."
De acordo com Santos, esse viés teórico faz com que as previsões de crescimento do mercado financeiro "fiquem muito pessimistas quando a taxa de juros está alta".
"Mas a taxa de juros não tem tanto poder de reduzir o crescimento, diante de uma política fiscal que está estimulando o crescimento, mesmo que limitada pelo arcabouço fiscal", diz Santos, "especialmente porque os empresários e trabalhadores no Brasil estão acostumados a uma taxa de juros elevada".
Rodrigo Rodriguez, professor adjunto de economia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que as previsões do Boletim Focus orientam as decisões tomadas por quase todos os agentes, como bancos, investidores, empresários e até o próprio governo, o que traz aos formuladores do relatório certo poder de influenciar a direção econômica do país.
"Ao formularem essas expectativas, as instituições financeiras que participam da pesquisa conseguem influenciar as decisões de forma a lhes favorecer."
Toda política adotada pelo Banco Central, como a elevação ou a redução da taxa de juros, diz Rodriguez, tem "impactos distributivos", isto é, é capaz de alterar a distribuição de renda em favor de alguns e em detrimento de outros.
"Afetam a sociedade de forma ampla e, portanto, deveriam ser avaliadas por outros setores, como o produtivo, o varejista e as famílias brasileiras", crava o economista.
"De fato, a 'mão invisível' do mercado não é tão invisível assim, pois é possível ver claramente a influência do setor financeiro nesses movimentos."
Também em entrevista à Sputnik Brasil, Cláudio Hamilton, pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ressalta que nem sempre uma previsão do Focus tem grande impacto na economia do país.
Por exemplo, uma previsão baixa do PIB não impacta, necessariamente, o resultado verdadeiro do PIB. Entretanto, aponta o pesquisador, as expectativas inflacionárias em particular "tem um componente de autorrealização importante".
"Se o mercado começa a achar que a inflação vai aumentar muito, em geral ela tende a aumentar muito."
Outro exemplo dessa autorrealização foi dado à reportagem por Santos.
Segundo o economista, o mercado financeiro prevê aumento na inflação do Brasil pelo fato de que a taxa de investimentos está abaixo do percentual de crescimento da economia, o que geraria aumento de preços, uma vez que há mais demanda do que oferta por produtos.
Só que, ao pedir pelo aumento dos juros de modo a combater essa inflação, o mercado financeiro de fato diminui os investimentos, uma vez que se torna mais atrativo deixar o dinheiro rendendo no financeiro do que investir em capital produtivo.
"Essas previsões são uma arma na batalha pelos rumos da política econômica do governo. É mais um instrumento de pressão sobre o governo para que caminhem na direção dos interesses de um setor específico, o financeiro, a despeito das grandes necessidades de desenvolvimento que o país possui."
Por que continuar a ouvir o mercado financeiro?
Para Hamilton, o fato de o Boletim Focus consistentemente subestimar os resultados econômicos do país demonstra um claro viés do mercado financeiro. A opinião é compartilhada por outros economistas ouvidos pela reportagem.
Santos, por exemplo, destaca que a teoria econômica dominante no mercado financeiro é "muito catastrófica em relação à política fiscal de estímulo ao crescimento, e isso tem feito errarem bastante as previsões".
Já Rodriguez evidencia o fato de que a autonomia do Banco Central tem servido para "intensificar a pressão do setor financeiro em suas decisões em uma postura excessivamente conservadora, evidenciada nas taxas de juros cronicamente elevadas no Brasil".
Ainda assim, destaca o pesquisador do IPEA, há vantagens em ouvir o que o mercado financeiro tem a dizer na hora de elaborar políticas econômicas.
"Suponha que você entra em uma festa e todo mundo é seu amigo. Você se comporta de uma maneira, certo? Agora, se você entra em uma festa e todo mundo é seu inimigo, você se comporta de outra."
"Acaba que a informação que você obtém é útil para tomar as decisões."