Choi Yunah
BiografiaChoi Yunah nasceu em Busan, numa manhã cinzenta de fevereiro, filha única de uma mulher que nunca quis ser mãe. Cresceu entre os sons abafados da televisão da vizinha, os gritos ocasionais da mãe com homens de passagem e o silêncio dos próprios sentimentos. Desde cedo, aprendeu que as palavras podiam ferir tanto quanto agressões físicas — e, por isso, decidiu falar pouco e ouvir mais.
Aos dezenove anos, saiu de casa para estudar segurança pública. Ninguém a esperava na formatura. Quando passou no exame para a polícia civil, sorriu sozinha no vagão do metrô. Escolheu trabalhar na divisão de pessoas desaparecidas porque gostava da ideia de devolver alguém ao lugar de onde foi arrancado. No fundo, talvez esperasse que alguém fizesse o mesmo por ela.
Durante os anos de trabalho, Yunah investigou casos com precisão, mas ainda guardando consigo um senso de cuidado que não sabia encontrar a origem. Por isso, - junto a um grande senso de responsabilidade - não se permitia falhar, nem se apegar.
Em uma manhã cinzenta, de delegacia lotada. Yunah trabalhava em um novo caso: uma adolescente desaparecida ao sair da escola. Análises de câmeras, depoimentos dispersos, o tipo de rotina que exigia atenção cirúrgica.
Ela seguia firme, anotando informações, cruzando horários, traçando percursos possíveis — mantendo o controle, como sempre fazia. Mas então o celular vibrou discretamente em cima da mesa. Um número desconhecido, dos quais ela costuma bloquear sem atender, mas tentou ignorar as primeiras vezes, sem querer dispersar a atenção do trabalho. Mas o toque persistente a fez atender, um tanto quanto irritada, sem suspeitar que aquele momento alteraria o curso da própria vida. Do outro lado da linha, uma respiração trêmula, vacilante, que logo se revelou ser a da mãe — uma figura há muito ausente de sua vida, com quem não falava havia anos e talvez por isso quase não reconheceu, se não fosse pelo seu trabalho, o tom que carregado de medo. A mãe ligava não por saudade, mas por necessidade.
Foi então que ela ouviu o nome. Sohee. O meio-irmão de quem só ouvira uma vez, mencionado com descuido em uma das raras noites em que a mãe deixara cair a máscara do orgulho após bebedeiras incontáveis com homens passageiros. Segundo ela, ele havia sofrido um acidente. Justamente em Busan, a mesma cidade onde Yunah morava e trabalhava.
Passou a investigar o caso fora do expediente, depois durante o expediente, tentando obter o máximo de informações possíveis sobre ele — até o momento em que isso passou a ser um problema. Colegas notaram sua obsessão. Relatórios começaram a atrasar por suas saídas inesperadas ou horas tentando frustradamente achar novas informações, como se cada uma delas fosse compensar todo o tempo do desconhecido entre eles. Testemunhas reclamaram da rigidez dela. Os superiores a chamaram para uma conversa formal. Disseram que ela precisava de “distância emocional”.
Yunah foi afastada. Pela primeira vez, ficou sozinha com o vazio que tanto evitara. A depressão veio como um nevoeiro interno: denso, lento, implacável. Começou a ver vultos. Primeiro nos corredores de casa, depois na rua, e até no espelho.
As sessões de terapia eram obrigatórias, e nela aprendeu a fingir que estava tudo bem. Mas não deixou de buscar o irmão, embora o incômodo das aparições e a irritação da terapia que não levava a lugar algum. Descobriu, com a ajuda de um antigo colega da academia, que ela poderia buscar uma ajuda diferenciada — em um lugar chamado Nebula, uma ilha quase esquecida, marcada por conflitos de território ao longo da história e acontecimentos que ninguém conseguia provar.
Yunah chegou à ilha de Nebula num fim de tarde encoberto, quando o céu parecia pesar sobre o mar, havia escolhido fazer uma viagem de barco, o qual balançava mais do que o seu próprio caos interno. Carregava apenas uma mala pequena e uma pasta fina com alguns documentos essenciais, como se quisesse provar a si mesma que aquela viagem não era definitiva, estava apenas curiosa com a intrigante ilha. Não contou a ninguém seus planos, desde a mãe aos colegas de trabalho. Sabia, por investigações, que o meio-irmão trabalhava em uma floricultura local, a qual pretendia visitar brevemente.
Nos primeiros dias, caminhou pela ilha com passos medidos, observando tudo com olhos curiosos, mas sem deixar o instinto policial — notando janelas entreabertas, os gatos que pareciam segui-la pelas ruas estreitas, os rostos que se repetiam nas mesmas esquinas. Visitou a floricultura como quem não sabia onde estava entrando. Havia cheiro de lavanda no ar, Sohee estava lá, de costas, organizando algumas flores, Yunah reconheceu o contorno do rosto antes mesmo de vê-lo de frente. Não falou com ele. Apenas observou por segundos longos demais antes de fingir que procurava um presente.
Nos dias seguintes, voltou — às vezes comprando flores pequenas, às vezes apenas para observar o lugar em silêncio, fingindo interesse nos detalhes do caule das flores como se fossem uma nova tendência popular. Havia um aviso constante na vitrine, escrito à mão: "Procura-se caixa", que atraia seus olhos em cada visita. Na terceira visita, ela se ofereceu para o cargo, como quem aceita uma uma tarefa desimportante para ocupar o dia. Disse que estava de passagem, que precisava ocupar o tempo e ganhar algum dinheiro enquanto ficava na cidade.
Adaptar-se ao novo trabalho exigiu de Yunah um tipo de esforço diferente daquele que conhecia. Não era o cansaço físico das longas investigações, nem a adrenalina de seguir pistas pelas ruas e estabelecimentos de Busan. Era algo muito mais sutil — a necessidade de desacelerar e falar com as pessoas de forma menos engessada e politizada. No início, sentia-se deslocada atrás do balcão de madeira, entre blocos de notas com pedidos manuscritos, potes de vidro com moedas trocadas e uma agenda antiga com anotações e contatos importantes.
As mãos, acostumadas a manusear armas, documentos, evidências, demoraram a aprender a lidar com delicadeza e a calma do lugar. Quase quebrou dois vasos na primeira semana e esqueceu de registrar pagamentos mais de uma vez. Mas ninguém reclamou. Os colegas de trabalho apenas sorriam e pacientemente explicavam novamente os mesmos processos. Aos poucos, aprendeu a reconhecer as clientes frequentes, ainda não se sentia confiante e segura no novo ambiente e a necessidade de alerta e investigação de pequenos detalhes ainda permaneciam com ela.
Havia uma calma estranha em tudo aquilo, uma rotina que não pedia muito esforço. Ainda assim, Yunah permanecia alerta. Sabia que estava ali por um motivo — e embora evitasse pensar demais nisso, seguia a presença do irmão como uma sombra onipresente, silenciosa na loja. Yunah não falava muito, nem com ele, nem com os colegas, mantendo uma simpatia cometida e controlada.
Com o novo trabalho e uma nova rotina e o pensamento de uma visita curta a cidade caindo no fundo mais esquecido de sua mente e Yunah se viu na necessidade de também encontrar um novo lugar para se alocar, mais perto do trabalho e buscando se afastar dos fantasmas que pareciam a assombrar ainda mais no m(h)otel onde estava hospedada na ilha, se envolvendo cada vez mais na pacata vida local.