Antonieta de Barros
TANTOVocê conhece Antonieta de Barros?
Se a resposta for não, presta atenção, porque todo mundo deveria saber dela e de suas lutas.
Antonieta nasceu Florianópolis, em 1901, 13 anos após “o fim da escravidão no Brasil”, Filha de uma lavadeira e de um jardineiro, ambos ex-escravos.
Antonieta nasceu pobre, na miséria em que viviam quase todos os pretos recém libertos e, com a morte prematura do pai, foi criada sozinha pela mãe, que trabalhava na casa do político Vidal Ramos, e a vida era da família era bem difícil.
Foi justamente por isso, para complementar a renda familiar, D. Catarina, sua mãe, resolveu transformar a humilde casa da família em pensão para estudantes - sem JAMAIS imaginar onde isso levaria a filha.
Imagina a situação:
você e suas irmãs, filhas de ex-escravos, vivendo em plena precariedade, em uma terra sem qualquer direito aos pretos...
Mas você é curiosa e irrequieta, e tem um senso de humanidade e justiça enormes.
Que aconteceu?
Não demorou muito, Antonieta estava lendo e escrevendo, coisa totalmente estranha aos ex-escravos e seus descendentes.
E ela foi tão bem em tudo, e sua sede de saber era tanta, que 17 anos foi estudar na Escola Normal Catarinense, concluindo o curso em 1921, formada professora.
O 1º ato de Antonieta não foi procurar um emprego e conseguir uma grana extra.
A primeira coisa que ela fez foi criar o Curso Particular Antonieta de Barros, em sua casa mesmo, que buscava alfabetizar a população carente de Florianópolis.
Só que a fama de excelente educadora começou a rodar a cidade, e logo Antonieta também dava aula nos mais renomados colégios da capital catarinense, quebrando uma barreira até então inimaginável para uma pessoa negra - ensinar a “elite branca”.
Mas Antonieta queria mais.
Estabelecida como educadora de renome, Antonieta começou a propagar suas ideias de libertação pela educação, de igualdade das mulheres e de luta contra os preconceitos de cor.
Para isso, ela resolveu fundar um jornal.
Isso mesmo: ela criou um jornal para propagar suas ideias.
De 1922 e 1927 e dirigiu e escreveu no jornal A Semana, onde publicava crônicas que perpetuavam suas ideias humanistas.
Em 1930, ela criou a revista Vida Ilhoa, e em 1937 escreveu seu 1º livro, Farrapos de Ideias.
Mas Antonieta sabia que podia ir além.
E foi.
Em 1934 ocorrem as primeiras eleições em que mulheres podem votar e ser votadas.
E Antonieta se candidata a uma vaga na Assembleia Legislativa catarinense.
Ela não ganha, mas fica como suplente - e o deputado eleito acaba assumindo uma prefeitura... então...
Em 1935, Antonieta se torna uma das 3 primeiras mulheres eleitas no país - a 1ª deputada estadual eleita - e a primeira mulher negra eleita no Brasil.
É muita coisa, amigos!
Ainda mais em um país que, menos de 50 anos antes, sequestrava, escravizava e descartava pessoas pretas.
E em 1937, ela preside a Sessão da Assembleia Legislativa e se torna a 1ª mulher a assumir a presidência de uma assembleia no Brasil.
Foi deputada entre 1935-1937, cassada pelo Estado Novo, e depois, com a redemocratização, novamente deputada entre 1958-1950.
Antonieta de Barros foi a criadora da 1º lei que instituía o dia 12/10 como dia do professor, data que acabou sendo reconhecida em âmbito nacional.
Em uma vida de realizações, ela ainda sonhou em ser advogada, mas o curso de direito era vedado às mulheres.
Antonieta é uma heroína do povo brasileiro, infelizmente, apagada da história de forma sistemática.
Para vocês terem uma ideia, até 1990 a Assembleia Legislativa de SC tinha uma galeria com foto de todos os ex-Deputados - MENOS DE ANTONIETA.
Foi a então deputada Ideli Salvatti quem descobriu o fato e exigiu que aquela mulher preta, de história tão forte, marcante e importante, figurasse em seu devido lugar, como ex-Deputada estadual.
Antonieta morreu cedo, em 1950, aos 52 anos, em decorrência de complicações da diabetes.
Nunca casou e não teve filhos.
O Curso Particular Antonieta de Barros seguiu funcionando até 1964, tendo feito uma pequena revolução entre a população de Florianópolis.
A mesma Florianópolis que queria se branquear, que desejava se tornar mais e mais europeia e apagar os anos de exploração da população negra dantes sequestrada da África.
Lá, Antonieta fez revolução - que até hoje é sentida no nosso cotidiano.
“A bandeira política de Antonieta era o poder revolucionário e libertador da educação para todos.”
De que a “... educação era a única arma capaz de libertar os desfavorecidos da servidão.”
E ouviu que “mulheres não deveriam opinar, pois nasceram para servir”, “que a natureza não dá saltos, cada ser deve conservar-se no seu setor, e a finalidade da mulher é ser mãe e ser rainha do lar” e que “não seguisse o exemplo de Anita Garibaldi, uma vagabunda”...
O pior foi ouvir, de um deputado já esquecido pelo tempo, que suas bandeiras eram “intriga da senzala”, ao que ela rebateu de forma brava e valente da tribuna da Assembleia.
“Antonieta deveria ser uma espécie de Frida Kahlo brasileira. Foi feminista numa sociedade conservadora, negra e mulher numa terra de oligarquias, mestre de centenas de jovens da elite branca que jamais deixaram de reverenciar sua cultura e personalidade.”
Mais uma mulher que TODOS deveriam conhecer - que TODOS deveriam reverenciar - e que deveria ser um capítulo obrigatório em todos os livros de histórias.
E que não deveria seguir apagada num mundo que precisa tanto, cada vez mais, de seus ideais.
Fim
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-10-15/antonieta-de-barros-a-parlamentar-negra-pioneira-que-criou-o-dia-do-professor.html …