A Lei e a Raiva

A Lei e a Raiva


Princípio da legalidade: a garantia de que não haverá nenhuma regra, nenhuma obrigação sem que haja uma lei.

Esse princípio central da lei brasileira precisa ser seguido por todo judiciário, inclusive o STF. 

O Ministro Alexandre do STF parece ter se deixado levar pela emoção (raiva, péssima conselheira) provocado por uma figura claramente perturbada, mas com muito dinheiro, a ponto de se afastar desse princípio, e mesmo viola-lo de forma absurda e caricata.

Está lutando contra um palhaço perturbado, e nem mesmo o Batman vence palhaços perturbados. 

Sim, tudo começa com o estrito cumprimento da letra da lei brasileira. A empresa Twitter é intimada a fornecer dados, localização, como de pedófilos e traficantes, o que é legal. Ela pode recorrer e apresentar defesa, o que é legal e esperado, e acatar a decisão.

Neste caso, a birra do palhaço o fez confrontar, especialmente pelo próprio Twitter, com alegações diversas, piadas, memes, esperado de um palhaço.

No final, de birra, determinou a saída da empresa do país, fechando seu escritório. Isso também é totalmente legal, e finaliza qualquer poder do governo/ministro sobre a mesma. Eventuais dívidas podem ser cobradas pelos meios legais entre os acordos entre dois países, ainda que dificilmente seriam pagas.

Neste ponto, o governo/ministro deveriam parar. Ignorar pirraças em twittes e se comportar dentro da lei e recato que se espera de instituições sérias. 

Mas a raiva, a natureza humana, fez o ministro deixar a linha legal e escalar em ações cada vez mais longe do direito, a ponto de a cada uma delas, juristas e organizações passarem a tentar encontrar ONDE na legislação existiria base para elas.

A Internet, algo novo no mundo, causa dificuldades sem dúvida. Mas a essa altura algumas coisas estão claras e outras, como soberania e alcance de leis, ainda com áreas cinzas. Um site de jogos de azar, por exemplo, é algo proibido no Brasil. Não posso criar um negocio baseado em jogo de pôquer ou dados aqui, em servidor no Brasil, com empresa legalmente registrar e com CNPJ. Mas posso fazer isso, mesmo daqui, em outro país. 

O governo pode (mas não consegue) bloquear, tentar, o acesso a este site, mas não impedir que ele exista. Da mesma forma posso acessar qualquer site fora do Brasil que seja legal, e seja acessível. O governo/ministro só pode tentar controlar o acesso.

O Twitter não é ilegal em nenhum país, NEM aqui. O bloqueio se deu por razões de "cobrar multas", administrativo, e especialmente para "o safado ver quem manda". Que, convenhamos, não é uma boa razão, nunca.

Assim, acessar o Twiter pela Internet, por qualquer meio, seja porque provedores e operadoras não conseguiram bloquear o acesso, seja por uso de VPN, não é igualmente crime. E sem uma lei de defina isso como proibido (lei, não decreto judicial não embasado em lei, apenas na vontade de atacar e prejudicar o dono da empresa, para ele ver quem é que manda), não há base para uma multa, especialmente uma claramente exagerada.

E exagerada, absurda, espantosamente fora de outro princípio, ser relativa ao dano ou risco, que fica clara seu objetivo: assustar as pessoas, para que voluntariamente desistam de tentar, já que fica evidente que seria impossível aplicar ou cobrar algo tão legalmente monstruoso, um artefato de vingança, não de justiça.

A atitude que se esperava do governo/ministro era parar com a retaliação assim que o escritório foi fechado. Tomar atitudes legais para cobrar as multas. SE e QUANDO a empresa desejasse voltar ao Brasil, fornecer as bases para a regularização. A rede serve as pessoas, e se serve as pessoas (milhões) o dever do Estado é promover condições de uso, não fazer pirraça. 

Ninguém espera que ela funcione ou volte a funcionar sem prestar contas, seria absurdo, TODA empresa deve prestar contas e respeitar regras e leis, deve fornecer informações se solicitado, tem o direito de contestar se achar pertinente etc. Mas o que temos no momento é uma briga de egos, egos de crianças birrentas, com capacidade de prejudicar milhões de pessoas.

O governo/ministro não pode punir, com multa, prisão, ameaças, pessoas por acessarem um sistema na Internet, legítimo, legal, por mais que uma pessoa, mesmo um ministro do STF, tenha uma opinião ruim sobre ele. A alegação recente sobre "o Twitter é perigoso para as eleições" é uma opinião. Vinda de um ministro, mas AINDA uma opinião, e para ser relevante precisaria de evidências, provas, o legítimo processo legal, para gerar qualquer ato ou restrição ao sistema. 

Claro que o Twitter tem problemas, TODAS as redes tem. Há grupos nazistas no Facebook, pedófilos no Whats, grupos criminosos no Telegram. Todos devem ser combatidos, com investigação, produção de provas, processos e condenações mas APENAS estes, não a solução fácil, e ilegal, de bloquear esses sistemas.

Um dos efeitos de lutar com palhaços movido pela emoção, raiva, é o ridículo. Como promulgar um decreto e menos de 24 horas ter de voltar atrás por ser ridículo, absurdo e totalmente ilegal. 

Esta análise crítica é apenas um alerta, sobre como é perigoso deixar uma história de atos corretos e equilibrados, ainda que as vezes rigorosos, e ser lembrado apenas como a pessoa que lutou com um palhaço maluco e ridículo. E perdeu.


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