Águas passadas

Águas passadas

Jota Drake


Mais um ano chegou. Uma explosão eólica extremamente prazerosa emerge: é a esperança. As almas são tomadas pela felicidade da tranquilidade absoluta — pelo menos nos primeiros minutos que antecedem a virada e, dependendo de uma gama diversificada de variáveis, algum tempo depois.

Provavelmente, planos e metas já foram constituídas para serem aplicadas ao longo do ano. Concluir um curso, começar um outro; passar no vestibular, preparar o casamento, passar mais tempo com a família, encontrar o emprego dos seus sonhos? Ótimo! Que ano positivo. Mas desde quando constitui esses planos? A proximidade de um ciclo provoca uma cortina sobre o que não queremos mais fazer e no que estamos dispostos. Podemos sempre dizer: vamos tentar no ano que vem, e, depois, adiamos para depois do Carnaval, depois das férias de julho ou... nunca, pois já estaremos perto de mais um réveillon. Volta o poço de tranquilidade e disposição: quando estivermos perto de 2019, será melhor marcar para 2020, depois do natal...

 O presente anda cada vez mais líquido, substituem a novidade de ontem já anunciando que ficarão obsoletos amanhã. Há, porém, uma coisa profundamente peculiar. Citei acima: a esperança. O anseio por mudanças no início do ano, por incrível que pareça, tem efeito. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria; de um ano melhor, um mundo melhor. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca vazia.

A esperança sempre foi necessária. Não a confunda com o otimismo. Otimismo é o florescimento do coração em conjunto com a florescência de fora. Esperança é o florescimento do coração, é o cantar dos pássaros internamente, apesar do frio e do seco que existe lá fora. Camus sabia o que era esperança em suas palavras:

“E no meio do inverno eu descobri que dentro de mim havia um verão invencível…”

Que tenhamos esperança o ano todo e não só nos primeiros momentos. Além disso, que saibamos aproveitar o ano de maneira limpa; fazer dos momentos sublimes um campo sólido e duradouro. Não nos banhamos no mesmo rio, Heráclito pensava. O fluxo incessante do rio nos inclui, somos gotas da água que nunca voltará. É importante aproveitar. Deixo as palavras de Rubem Alves como conselho: Para termos um feliz ano novo temos que estar dispostos a “matar” o que fomos e nascer de novo em cada momento da vida. Está aí um grande desafio. Dos maiores, senão o maior de todos!

Para amansar a tensão que nasce da dúvida e desconfiança pessimista do ano, lembre-se das palavras de Osho: "Dizem que antes de um rio entrar no mar, ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada que percorreu, para os cumes, as montanhas, para o longo caminho sinuoso que trilhou através de florestas e povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto, que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas de tornar-se oceano. "

Ótimo ano para todos os membros do canal!

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