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m.zerohora.com.br - Renato Dornelles

Ao falar sobre a dinâmica da organização paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, durante audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a professora da Universidade Federal do ABC (SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (Nev) da USP Camila Caldeira Nunes Dias, indiretamente, criticou a política de segurança pública que vem sendo adotada pelo governo gaúcho.

Na palestra, com base em suas pesquisas junto ao grupo criminoso paulista, ela classificou como paliativas medidas como a construção de novos presídios estaduais e como perigoso o recebimento de uma penitenciária federal. Ainda avaliou como de caráter temporário a transferência e o isolamento de presos apontados como líderes de facções, bem como o aumento do policiamento ostensivo.

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Confira trechos da entrevista que a doutora em Sociologia concedeu à Editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho.

Ao que se deve a hegemonia do PCC em São Paulo e sua expansão para quase todo o território nacional e até outros países?

As péssimas condições das prisões são o ambiente ideal para o surgimento desses grupos, que acabam criando redes de proteção nesses locais. Em São Paulo, o PCC obteve êxito e conseguiu eliminar todos os concorrentes.

Seu monopólio se efetivou tanto mediante ameaças de violência quanto por um discurso de legitimidade que aponta o Estado como opressor e conclama os presos para enfrentar essa opressão.

Então, basicamente, são esses pilares: o discurso ideológico, a violência e a questão econômica. Por meio deles, o PCC conseguiu construir uma rede de tráfico muito eficiente.

Qual a saída para enfrentar esse grupo?

Não vejo saída que não seja propor uma mudança de paradigma do que se entende por segurança pública, com mais investimento em prevenção, com políticas públicas que envolvam saúde, educação etc.

Algo estrutural e de longo prazo, e um esforço de desencarceramento. Se o Estado continuar a encarcerar as pessoas da forma como vem acontecendo hoje no país inteiro, só se vai contribuir para perpetuar e ampliar esse quadro. Em São Paulo, quanto mais se encarcera, maior tem sido o poder do PCC.

Esse e todos os outros grupos continuam tendo sua base de atuação, o seu centro nervoso, nas prisões. É a partir delas que se articulam.

Mas a curto prazo, há alguma solução?

A curto prazo, só resta separar as facções rivais para que não se matem. Mas isso não é uma solução, é apenas uma medida para mantê-los vivos.

Pensa-se aqui no Estado em construir prisões de pequeno ou médio porte e filtrar a entrada de presos, evitando o ingresso daqueles que estejam envolvidos com facções. Pode ser uma solução?

Temos algumas tentativas nesse sentido em São Paulo, geralmente em prisões de segurança média. Mas, na verdade, é uma ilusão achar que o Estado consegue fazer essa separação.

Hoje em dia você tem muitos tipos de pessoas que pertencem a facções, mas não se declaram como pertencentes e acabam se infiltrando nessas unidades. Acho interessante que o Estado faça esse filtro, mas, no longo prazo, essas prisões acabam sendo ocupadas por esses grupos.

O Rio Grande do Sul está prestes a receber uma penitenciária federal. Que reflexos isso pode ter na criminalidade?

Prisões federais recebem presos de várias partes do Brasil. Embora o controle seja mais rígido do que nos presídios estaduais, os apenados sempre criam formas de se comunicar. Acabam, então, achando formas de negociação que podem ampliar e fortalecer os grupos.

Outra medida adotada recentemente pelo Estado foi a transferência de 27 presos, apontados como líderes de facções, para penitenciárias federais, onde é aplicado o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Isso pode ajudar a conter a criminalidade?

Em São Paulo, há algum tempo os líderes do PCC foram isolados, e o PCC continuou crescendo. O RDD foi implantado em 2001, após a primeira megarrebelião, dois anos antes de o regime se tornar lei federal. Os líderes foram isolados, mas não adiantou.

Essa é uma medida de caráter de emergência, de urgência, temporária. Mas não é uma solução. É um paliativo. Até porque, quando você isola um líder, ocorre o surgimento de outros que assumem o lugar. É um círculo que não se interrompe com o tempo.

Por que o Estado, enquanto instituição, não consegue combater o problema das facções?

O Estado, falando genericamente, na verdade, só está interessado em dar uma boa impressão à sociedade, como se estivesse fazendo alguma coisa. Então, anuncia qualquer medida para dar repercussão. Não parece haver interesse em debater para encontrar caminhos alternativos.

O que vem sendo feito é construir mais prisões, colocar mais policiais nas ruas, ações tomadas há décadas. Ou seja: é mais do mesmo e isso não tem resolvido.

Source m.zerohora.com.br

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