Por que não seguir as normas da ABNT

Por que não seguir as normas da ABNT

Juliano

O que a sua instituição diz ser as regras “ABNT” na verdade é uma colcha de retalhos de regras, que às vezes são interpretações da ABNT, às vezes nem isso.

Um exemplo de norma sensata é estabelecer um plano geral com um mínimo necessário. Isso foi feito, por exemplo, na UNICAMP. Essa norma determina inclusive que as normas de referência bibliográfica podem ser definidas pela Comissão de Pós-Graduação do curso ou pelo orientador. Quer algo mais sensato? Veja por si próprio.

Muitas vezes confunde-se metodologia científica com redação, com “estilo”, com formatação, diagramação, tipografia etc.

A redação científica ou acadêmica tem um estilo que é próprio; às vezes determinada disciplina acadêmica ou mesmo linha de estudo tem um estilo próprio. Pode-se falar de um “estilo de autor”, principalmente nas ciências humanas, mas mesmo em ciências exatas frequentemente distinguimos estilos diferentes de redação, de acordo com as preferências individuais. O que tem a ver a metodologia científica ou a validade de um trabalho se sua tese está escrita em papel A4 ou carta; se o espaço entrelinhas é de 1,5 ou 1,2; se está utilizando a família tipográfica Times, criada para o venerável jornal Times de Londres, ou no tipo Caslon, em que foram impressas a Declaração de Independência e a Constituição dos EUA?

Por incrível que pareça, ainda tem gente que acha que tudo que não seja “Times” ou “Arial” não é “científico”. Excluindo tipos que realmente devem ser evitados (tipos decorativos, caligráficos, capitulares, históricos, e talvez até góticos), não há nada demais em deixar à discrição do autor a escolha de uma fonte comumente utilizada em publicações de texto corrido – pegue um livro na estante, ou uma revista ou jornal na banca mais próxima, ou um periódico impresso, e vai ter uma noção. A padronização pela padronização não é um motivo racional aceitável. Nem mesmo a padronização pela difusão geral ou pelo hábito. Por que usar “Times” ou “Arial”? Ora, a explicação mais corrente, embora irracional, é que todos os trabalhos devem ter a mesma aparência. A explicação mais patética é que essas fontes são (ou eram) default em programas como Word. Outra explicação espúria é que os escritores não devem se preocupar com isso (se isso fosse verdade, eles também não deveriam se preocupar em deixar tudo em Arial). Outra explicação engraçada é a de que é para se ter uma noção do tamanho. Se fosse assim, não haveria nem a opção entre Times e Arial, já que Arial “ocupa mais espaço”, no mesmo tamanho, que Times. Ou seja, Arial 12 pt vai gastar mais páginas de papel do que o mesmo texto em Times 12 pt. Quer fazer com que seu trabalho pareça ser maior do que realmente é? Utilize Arial ou Helvetica (e não hifenize o texto).

Pior do que isso são afirmações do gênero: para ser aceito como trabalho científico, seu texto precisa estar formatado segundo as normas da ABNT (interpretadas por X ou Y). Em vez de aprender que um português correto é muito melhor para a compreensão do seu texto, gasta-se tempo para saber que páginas pré-textuais são contadas mas não numeradas, que se deve escrever “Figura X – ” em vez de “Figura X:”, que a indicação da fonte das imagens deve vir abaixo da figura e não, como era antes pela mesma norma, juntamente com o rótulo…Qual é a vantagem de escrever sobrenome de autores em maiúsculo? Para saber que são sobrenomes? Para saber que são autores? Realmente? Os franceses têm a tradição tipográfica de escrever sobrenomes com versaletes. Como é impossível escrever versaletes com máquinas de escrever ou processadores de texto comuns (sem algum trabalho), isso passou para a composição eletrônica de textos como “sobrenomes em maiúsculas”. Esse tipo de conhecimento inútil, tido como autoridade, não pode e não deve ser aceito como parte integral da prática científica. Ele não vai ajudar o estudante em sua carreira futura. Seus artigos enviados para periódicos, seus livros enviados para editoras e seus papers para congressos fatalmente não seguirão essas normas esdrúxulas, ou escolherão somente algumas delas para serem seguidas.

Quase nenhuma das regras da ABNT aumenta a legibilidade do seu texto.

Veja qualquer livro sobre tipografia e descubra o que realmente importa na hora de compor (diagramar) um texto. Você vai descobrir que, com certeza, uma página A4 com as margens da ABNT não facilita a sua vida na hora de ler uma tese de 300 páginas.

As normas da ABNT para trabalhos acadêmicos não são lei.

Elas não são obrigatórias, e as instituições de ensino no Brasil não são obrigadas a aceitá-las nem a exigi-las. A própria ABNT afirma que a adoção das normas NBR é voluntária. Várias instituições não seguem essas normas, e/ou exigem regras que não são as da ABNT. Basta uma comissão ou uma próreitoria de pós-graduação aceitar formas mais sensatas de apresentação do texto (ver exemplo acima).

Texto escrito por Youssef Cherem, 2014.

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