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Presente na fala de Jennifer está o fato de que, diferentemente do Brasil, no qual os filhos são legalmente “herdeiros necessários” dos bens dos pais, nos Estados Unidos não há obrigatoriedade de testar bens para os filhos. Isso significa que as pessoas podem decidir deixar em testamento boa parte de seu patrimônio para organizações ou causas com as quais simpatizam.


Perguntada sobre as diferentes práticas do setor, como Responsabilidade Social Corporativa, Investimento Social Privado, Voluntariado e Filantropia Estratégica, Jennifer identificou Investimento Social Privado como uma terminologia brasileira, acrescentando que nos Estados Unidos haveria empresas sociais, isto é, novos modelos de negócios que buscam conjugar o impacto social à geração de lucro e cuja organização pode variar do modelo privado ao Terceiro Setor. Para ela, todos esses termos viriam sob o guarda-


-chuva da filantropia estratégica:


O escopo do que chamamos filantropia é cada vez mais amplo. Responsabilidade Social Corporativa é algo a se definir: se dizíamos que as companhias se tornavam cidadãs, então agora vemos os negócios centrais das companhias voltando a atenção para melhores práticas. Ser uma corporação cidadã e fazer o bem é mais importante do que definir o que é filantropia. As linhas estão cada vez mais borradas e isto é um fato mesmo para a filantropia individual: pode ser empréstimos, por exemplo. Há uma grande mistura no que as pessoas estão definindo como filantropia. O conceito de cidadania se infiltra fortemente aqui, na consciência dos norte-americanos, baseada no indivíduo. Existem direitos e existem responsabilidades. O que eu consigo correlacionar mais é a ideia de individualismo. O país foi construído por indivíduos rompendo limites. Você só pode confiar em si mesmo. Você ascende ou cai baseado em si mesmo, não importa de qual comunidade venha. Se o indivíduo é tão forte assim, então ele pensa: “se eu me tornei tão grande, outras pessoas também podem”. O país teve por base indivíduos e a ideia de associação, de pessoas se unindo. As pessoas não dizem: “Sou apenas um indivíduo, o que posso fazer?”; elas pensam: “indivíduos podem fazer a diferença”. Um grupo pode fazer mais, mas precisamos do empoderamento para o indivíduo contribuir para o grupo.


Quando a mentalidade do Estado forte existe, o indivíduo não é empoderado e é difícil ver que se pode fazer a diferença dentro de um grupo ou comunidade.


O ideário do individualismo, que é muito forte nos Estados Unidos, está bem presente na fala de Jennifer. Ele é baseado na ideia de que uma sociedade é constituída a partir de indivíduos e que a ação deles resulta no bem de todos. Perguntada se ela acreditava que países como o Brasil poderiam se beneficiar das práticas e expertise norte-americanas e, em caso positivo, como, Jennifer respondeu empolgada: “imensamente”. Para ela: Os Estados Unidos têm um dos setores filantrópicos mais desenvolvidos do mundo com práticas testadas ao longo do tempo. Possui estruturas de doação


- como fundações, marco legal, habilidades de gestão, capacidade de pessoal


- para operar e perpetuar fundações e adaptar sua missão original às necessidades atuais. Possui, ainda, importante expertise, transparência no setor, advo-gados que atuam com a supervisão e fiscalização do setor e organizações que fornecem informações on-line. Nossa transparência é enorme, claro que ainda mais é necessário, mas pelo menos há a infraestrutura. Isso pode ser resumido em capacidade gerencial e administrativa, transparência, estratégias e quadro legal. Cada país deveria ter muita consciência da sua cultura e das motivações pelas quais as pessoas doam. Há muitos modelos interessantes e não se pode simplesmente importar um.


No que concerne aos valores compartilhados por filantropos e investidores sociais, Jennifer ressaltou “um senso de obrigação e de contribuição para algo maior do que eles mesmos”, o que remete à noção de que noblesse oblige (Elias 1994). Embora autores e pesquisadores como Bremner (1960) e Odendhal (1990) demonstrem a tradição filantrópica de elite como o grande jogo americano, que passa de forma intergeracional nas famílias de grandes fortunas, a interlocutora, ao se referir às motivações que levariam pessoas a fazer filantropia, indicou que isso seria algo muito pessoal e que: As pessoas doam por diferentes razões. No fundo, elas doam porque encon-tram nisso grande satisfação. Elas se sentem bem, mexe com algo profundo, de ordem moral e às vezes elas recebem mais de volta do que os beneficiários ou recipientes.


Jennifer explicou que o papel do Global Philanthropy Forum é se constituir numa rede de filantropos que se reúnem para aprender uns com os outros, se tornando mais efetivos e estratégicos.


A organização é um lugar seguro para compartilhar práticas e conhecer outras pessoas na área da filantropia global. Pares em potencial, parceiros e líderes do mundo do desenvolvimento, da política e do setor privado.


Ao falar sobre a influência da filantropia nas políticas públicas e a advocacy de causas10, Jennifer justificou: Advocacy é algo muito forte nos Estados Unidos. Estamos vendo a filantropia se tornar cada vez mais envolvida com advocacy. Legalmente, as fundações e ONGs não podem fazer trabalho político. Elas não podem ir ao Congresso e fazer lobby. No entanto, há uma série de organizações que apoiam certas causas como, por exemplo, o casamento gay [recentemente legalizado em alguns estados norte-americanos]. Então as fundações são, e nesse caso foram, uma parte desse processo. O que elas podem fazer é financiar programas que em-poderem e contribuam para uma campanha. Elas contribuem com partes que servem a uma campanha mais ampla. Essa também é uma forma de advocacy, mas não é lobbying. Eu imagino que alguns filantropos apoiam distintas campanhas de advocacy.


O último ponto tratado foi a questão de gênero. Apesar de a presença de homens ser grande no universo filantrópico, Jennifer disse que a maior parte da riqueza está sendo doada por mulheres. Isso se daria porque elas tendem a viver mais tempo que seus maridos ou porque seus maridos estão ocupados fazendo dinheiro. A doação feminina tende a ir para causas como direitos de crianças, mulheres jovens, violência doméstica.


Filantropia Progressista ou de Justiça Social Na visão de nossos interlocutores, a filantropia progressista ou de justiça social se contrapõe ao filantrocapitalismo . Seus promotores argumentam que há uma falência do atual sistema socioeconômico e apostam em alternativas que propiciem a transição para um novo modelo. Essa mudança se daria pela construção de uma sociedade menos individualista e mais igualitária, justa e comunitária. Seus praticantes focam em ações e programas que possam mudar o modelo econômico e reduzir suas injustiças. Isso é feito através do financiamento de ativistas e movimentos sociais.


A filantropia progressista se alinha com autores que criticam a narrativa mítica do paradigma do desenvolvimento e seu discurso de uma linearidade evolutiva (Furtado, 2013). Eles assinalam o caráter predatório do atual sistema produtivo e a inviabilidade de, através dele, alcançar o crescimento econômico contínuo e sustentável com a universalização dos padrões de consumo dos países considerados desenvolvidos. Essa ideologia de uma modernização universal, que na prática não tem como se viabilizar, frequentemente submete populações inteiras à degradação de seus modos de vida e do meio físico. O desenvolvimento seria então um plano irrealizável das sociedades ditas “modernas”, baseadas na racionalidade, estruturadas dentro de estados-nações e centradas na lógica do mercado (Bresser-Pereira, 2006). Por isso, é preciso levar em conta que as nações são diferentes e que cada uma delas deve ter autonomia para construir seu próprio modelo de desenvolvimento, baseado em sua cultura e seus imaginários. Além disso, o desenvolvimento precisa ser sustentável e se preocupar com a liberdade,


a justiça social e a proteção do meio ambiente.


Ao tratar das alternativas democráticas a um sistema neoliberal, Block indica haver “alternativa possível para o cenário em que a insustentabilidade do liberalismo de mercado acarreta crises econômicas e o ressurgimento do autoritarismo e de regimes agressivos”. Para esse autor, a alternativa seria o engajamento de “pessoas comuns” em “esforço solidário para subordinar a economia à política democrática e à reconstrução da economia global, com base na cooperação internacional”. Com efeito, esse movimento social teria dado seus sinais na década de 1990, demonstrando ser mais do que uma possibilidade teórica. Para ilustrar este argumento, Block assinala que


“ativistas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento organizaram protestos militantes contra as instituições internacionais – Organização Mundial do Comércio, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial” e assim começaram o diálogo “sobre a reconstrução da ordem financeira global” (Block 2012: 172-173).


A filantropia progressista atribui o protagonismo da mudança não somente às elites, mas principalmente aos grupos de base e aos movimentos sociais.


Ao contrário da versão filantrocapitalista, que visa aliviar a pobreza por meio de projetos criados pelos próprios capitalistas, a versão progressista da filantropia atribui às organizações de base a promoção de projetos de saída da pobreza e empoderamento dos pobres por eles mesmos, centrados nas demandas de movimentos sociais e ativistas. A filantropia progressista procura mobilizar e sensibilizar doadores a investirem em comunidades e projetos de base.


Um exemplo interessante que embasa a perspectiva da filantropia de justiça social e serve como chave analítica é o livro The end of capitalism (as we knew it): a feminist critique of political economy (O fim do capita- lismo como nós o conhecíamos, uma crítica feminista da economia política) (2006) das geógrafas Julie Gibson e Katharine Graham10. Mais do que um trabalho acadêmico, as autoras propõem o engajamento com iniciativas que desconstruam a hegemonia do capitalismo e estimulem a imaginação e experiências de economias alternativas, por mais complexo que este termo possa ser. O projeto dessas autoras busca “abrir um espaço discursivo para a prevalência e diversidade econômica não capitalista ao redor do mundo”


(2006: 10). Além disso, ele propõe a “produção de uma linguagem da diferença econômica para ampliar o imaginário econômico, tornando visíveis e inteligíveis as diversas e prolíferas práticas que a preocupação com o capitalismo obscureceu” (2006: 10). A terceira dimensão em sua proposta de pesquisa-ação é “o difícil processo de cultivar sujeitos (nós e outros) que possam desejar e habitar espaços econômicos não capitalistas (2006: 10).


Repensar a transformação das identidades individuais, encaradas não mais como fechadas e essenciais, mas como processuais e relacionais aparece como fundamental para rever estratégias econômicas. Gibson-Graham destacam o que chamam de uma “política do sujeito”, que seria o processo de produzir “algo além das mudanças discursivas na identidade, algo que levaria em conta a experiência sensível e gravitacional de embodiment”.


Mudar a si mesmo seria mudar o mundo: “Enquanto uma prática de fazer história, o projeto de construir uma economia alternativa também envolve novas práticas do self, produzindo diferentes sujeitos econômicos por meio de uma micropolítica ou ética da autotransformação” (2006: 16). Para Gibson-


-Graham, assim como para outras autoras, o Fórum Social Mundial, cuja primeira edição ocorreu em Porto Alegre em 2001, é indiscutivelmente um espaço onde um novo imaginário político e social pode emergir.


A filantropia de justiça social, com frequência, tem um viés feminista que enfatiza a importância das emoções, da espiritualidade e da diversidade cultural. Autoras como Gibson-Graham assinalam que a economia e os


negócios são uma arena eminentemente masculina. A lógica dominante é a da racionalidade, da métrica e do cálculo financeiro. Em contraposição, elas reivindicam uma prática alternativa que valorize os afetos e a solidariedade.


Ao focar nos movimentos de base e no espaço comunitário, as autoras argumentam que é preciso abandonar a lógica masculina presente nos grandes negócios e finanças e atentar para os pobres e suas lógicas alternativas.


Referindo-se ao fato de que a atividade não-remunerada dos trabalhos considerados femininos como o cuidado com crianças, idosos e deficientes, o trabalho doméstico e o trabalho emocional é responsável por 50% da economia mundial essas autoras assinalam que


O [pensamento] mais controverso, mas também o mais bem-sucedido contra o pensamento econômico dominante tem sido liderado por ativistas e economistas feministas, que apontam para a significativa quantidade de trabalho (muito do qual desempenhado por mulheres) gasto em atividades não remuneradas ou não voltadas ao mercado tais como trabalho doméstico, voluntariado, criação de filhos e cuidado com idosos e enfermos. Trabalho empírico no assunto tem estabelecido que em ambos países ricos e pobres, 30 a 50 por cento da atividade econômica é contabilizada pela atividade doméstica não remunerada (...).


Existe agora uma chamada para que o sistema nacional de contas seja revisto para que a medida total de performance econômica, produto econômico bru- to, inclua ambos o produto bruto de mercado e o produto bruto doméstico(...) (Gibson-Graham, 2006:11).


Uma instituição que congrega os filantropos progressistas nos Estados Unidos é a Edge Funders Alliance (EFA), organização internacional que procura sensibilizar doadores a contribuírem para projetos de comunidades de base. De acordo com o site da organização11,


A Edge Funders Al iance se organiza nos marcos da filantropia para elevar a consciência e aprofundar a compreensão da natureza interconectada das crises sociais, econômicas e ecológicas que ameaçam nosso futuro comum. A EDGE


trabalha para aumentar os recursos para comunidades e movimentos, criando alternativas de mudanças sistêmicas para uma transição para uma sociedade que apoia a justiça, a equidade e o bem-estar do planeta.


É interessante ouvir ativistas que atuam no setor da filantropia pela justiça social. Karen, membro do EFA, é diretora da Channel Foundation, uma pequena fundação familiar que financia projetos de justiça de gênero e direito das mulheres, principalmente as indígenas. No site da organização, que fica em Seattle, cidade do noroeste dos Estados Unidos, lê-se


A Fundação promove liderança em direitos humanos das mulheres ao redor do globo, dando suporte a organizações engajadas em combater desigualdade de gênero. Por meio de doações, advocacy e colaboração com uma rede internacional de organizações e financiadoras de direitos das mulheres (tais como Fundo Elas, ONU Mulheres, AWID, Fondo Acción Urgente [de América Latina y el Caribe], Astraea the Lesbian Foundation for Justice, Mama Cash, Prospera entre outras) criamos oportunidades para assegurar que os direitos das mulheres sejam respeitados, protegidos e realizados.


Referindo-se ao Global Philanthropy Forum, Karen prontamente disse:


“ah, essa rede é muito de direita, vocês precisam conhecer a nossa que é mais de esquerda”. Ela explicou que enquanto algumas organizações e mesmo intelectuais trabalham com a noção de filantropia baseada em técnicas empresariais e sustentada pelo financiamento entre pares de negócios, sua rede seria mais progressista e transformadora, apostando no financiamento de ativistas e movimentos sociais. Assim, Karen nos colocou em contato com Peter, diretor da Edge Funders Al iance.


Ele relatou um pouco de sua trajetória:


Eu passei em torno de vinte e cinco anos trabalhando com o paradigma de desenvolvimento internacional. Nos anos setenta, quando saí da faculdade, entrei para o Peace Corps, fui voluntário na África, trabalhei para financiado- res e ongs, morei e trabalhei na Ásia, trabalhei com o USA for Africa, com a Oxfam e peguei uma época em que as ongs da África estavam pressionando por um desenvolvimento liderado mais endogenamente e comecei a repensar o desenvolvimento internacional…


Peter contou a passagem de seu enfoque no desenvolvimento para o seu interesse na justiça social. No final dos anos 90, ele estava trabalhando para uma fundação focada em jovens em San Francisco, quando em 1999


eclodiu o movimento que ficou conhecido como a “Batalha de Seattle”, no contexto dos protestos que aconteceram nessa cidade face à reunião da Organização Mundial do Comércio que estava lá ocorrendo. Ele organizara então um grupo que participou dos protestos, o que ele chama de emergência dos movimentos antiglobalização.


Então, essa foi realmente a transição e esse movimento mudou completamente a minha noção de desenvolvimento em direção ao paradigma da justiça social. Nós levamos quarenta jovens da Bay Area [região da baía de San Francisco, California] para Seattle (...) éramos um dos poucos contingentes formados por jovens ativistas negros, estudantes e não-estudantes e isso era parte daquele debate.


Peter relata o questionamento acerca da ausência das chamadas


“minorias”, especialmente de pessoas e movimentos negros nas manifes-tações em Seattle:


Vários dos grupos que estavam muito engajados como Global Exchange e Rain Forest Action Network eram organizações internacionalistas, o que é ótimo, mas o argumento sendo colocado pelas pessoas mais jovens em nossas organizações foi o que levou à noção de translocalização, translocalismo. Não eram grupos internacionais que deveriam estar à frente, deveriam ser grupos em Oakland, ligados a grupos em Detroit, ligados a grupos em Porto Alegre, sabe? Então tinha que ser local, tinha que ser grassroots.


Sua trajetória prosseguiu com a coordenação da Funders Network on Trade and Globalization, uma rede de financiadores que participaram dos eventos em Seattle. Dentre estes financiadores, Peter destacou duas vertentes de financiamento: uma para ongs e organizações internacionais e outra para organizações comunitárias e organização de movimentos sociais. A partir da sua atuação nessa rede, ele contou que começou o envio de delegações de financiadores a encontros do Banco Mundial, encontros ministeriais da Organização Mundial do Comércio, cúpulas climáticas e ao Segundo Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em 2002.


Ao final da entrevista, Peter sugeriu que procurássemos Mariana, uma feminista e acadêmica colombiana, componente do quadro diretivo da Gender Justice Initiative, ligada a Edge Funders Alliance e dirigida por ele e formada por financiadores, movimentos sociais e ativistas. Ela trabalha em um fundo de justiça de gênero e direito das mulheres.


A temática de gênero e feminismo funciona como fio condutor do universo filantrópico em geral para diversos atores da rede de filantropia progressista e de justiça social. Mariana estudou nos Estados Unidos nos anos 80 e fez seu mestrado em estudos de gênero. Ela iniciou sua carreira no setor como uma das primeiras voluntárias do Rain Forest Action Network, após conhecer Randy Hayes, fundador dessa rede e diretor-executivo da Foundation Earth, uma nova organização que se propõe a ajudar a proteger os sistemas de apoio da vida no planeta. Ela trabalhou na ONU, na organização Pan Americana de Saúde. Foi também assessora da Astraea, Mama Cash, Global Fund for Women e mais tarde do Urgent Action Fund Latin America.


Todas as organizações citadas por Mariana fazem parte da rede Gender Justice Initiative. Indagada sobre as diferentes perspectivas do universo filantrópico, no qual alguns financiadores são indicados como mais con-servadores e outros mais progressistas, Mariana destacou sentir haver uma diferença clara entre essas distintas abordagens.


(…) mesmo aqueles que atuam em direitos humanos. Isso não implica necessariamente que eles tenham um entendimento holístico dos direitos humanos ou que ataquem as causas da desigualdade. Então eu diria que alguns financiadores têm o discurso, mas não buscam mudanças estruturais e outros sim.


Nesse caso acho que a rede (ligada à Edge Funders Al iance) representa uma abordagem mais poderosa em direção a mudanças estruturais.


Ao abordar o modo através do qual sua rede enxerga a transição para uma sociedade mais justa, Mariana destacou a influência que recebe em seu trabalho do pensamento pós-colonial. Para ela, pensar uma transição linear, como se fôssemos passar do capitalismo a outro sistema de forma estática e linear é problemático: “esse é um dos maiores desafios mesmo para a filantropia progressista, mover-se de um ponto de vista ocidental que é linear para um entendimento mais dinâmico dos processos e mudanças nas realidades sociais”.


Ao falar das origens dos financiamentos, Mariana indicou que a maior parte dos recursos que recebe vem do governo holandês e de financiadores dos Estados Unidos e da Europa: “muito pouca coisa vem de doações individuais”. Quanto à ligação com o Brasil, Mariana citou o Fundo Elas,


“nosso fundo-irmão”, e contou receber pedidos de doações de movimentos e ativistas de toda a América Latina “principalmente de defensoras de terras e de territórios, protetoras ambientais”. Acerca da abordagem feminista no universo filantrópico, Mariana explicou que focar na desigualdade e na injustiça não necessariamente implica que as dimensões do gênero e do feminismo estejam no centro da filantropia progressista: Eu acho que enquanto movimentos de mulheres nós somos agora um assunto inevitável em termos de entendimento de mudanças políticas e sociais… Mas acho que ainda precisamos nos aprofundar no que isso implica. Precisamente porque sentíamos que o gênero não era um assunto crucial com o qual esta- va se lidando em profundidade é que a iniciativa foi criada. Nós temos que lembrar que mesmo na nossa região e no mundo todo, os movimentos e as ideologias de esquerda e progressistas sempre pensaram que depois que a revolução fosse feita então lidariam com as questões das mulheres, então eu acho que também tem a ver com a linguagem com a qual a esquerda pensa sobre mudança e transformação.



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