I.D.

Ela não sorri. Ainda assim, é o tipo ideal para o lugar em que trabalha. Atrás do balcão da locadora de veículos, ela vende aos clientes, não os melhores preços ou carros, mas sim a chance de fazê-los surpreendê-la ao escolher um grupo mais caro, ou de passar o valor integral da locação em apenas uma vez no cartão de crédito. Tem, naturalmente, uma aparência invejável para muitas mulheres e particularmente envaidecedora para incontáveis homens, mas sua beleza é apagada pela sombra da própria tristeza e da escuridão que carrega em si.

Ela ama a natureza e os animais. Tem cinco, pelo menos. Gatos e cachorros. Seus “filhos”, como ela os chama. Não tem nenhum filho de verdade, mas acabou de fazer um aborto — sugestão da amiga feminista que, não tão secretamente, deixa transparecer o prazer que sente ao vê-la se arruinar aos poucos. 

Hoje, entretanto, a vi com um sorriso no rosto. Estava linda. Seus olhos, verdes como nunca. O dourado dos cabelos em um contraste perfeito com o castanho escuro das sobrancelhas. Brilhava, de dentro para fora.

Sinto pena dela. Por um lado, admiro o devotamento que ela possui pela mãe que precisa de cuidados especiais; por outro, lamento que veja a si própria com tanto desprezo, e que dê ouvidos a quem, fantasiada de amiga, apenas a incita a tê-la como sua maior inimiga. 

- dmnsn [191031_001]