Frozen

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Sua mente estava nublada em meio a tantos sentimentos e de fragmentos diferentes. A fuga de seu criador era algo que todas queriam, mas e o depois disso? Para onde ir? O que fazer? O que realmente eram? Claramente todas queriam voltar a suas vidas, mas o corpo era apenas um. Enkidu chorava enquanto adentrava aquela floresta estranha. Havia vida nela, diferente das vegetações que sempre via abaixo do reino de seu criador. Ela vagava sem ter um caminho fixo para ir, parecia lutar para que mantivesse a paz em sua mente. Ouvia os lamentos, os gritos, o clamor pela vida e nada podia fazer. Porém, o pior ainda estava por acontecer. Havia alguém em sua caçada, alguma coisa que fugia de seu entendimento.

Ela corria mais do que tudo, corria para permanecer viva mesmo não sendo capaz de morrer mais. A dor era seu maior medo, não queria sofre-la novamente e por isso nunca sequer parava. Seus passos eram abafados pela lama e pelas poças. Desviava-se dos galhos com cuidado, mas o que seja que estivesse a seguindo conseguia lhe acompanhar sem nenhum problema.

Era feroz e ágil por dentre as folhagens. Era possível sentir a fúria de longe e isso lhe enchia de desespero. Não queria voltar para o Conde, não queria sentir dor ou se sentir quebrada. Mas, o que realmente queria? A coisa cada vez estava mais perto e sedento. Tropeçou e rolou morro abaixo batendo contra várias raízes. As faíscas ardiam em sua pele, regenerando-a a base também da dor. Enkidu caiu em meio a terra molhada e se levantou. O que lhe seguia finalmente a alcançou e lhe cercou. Não era possível subir com aquela chuva e ele se aproximava a frente. Caiu ao chão e se arrastou para longe enquanto a figura se mostrava. Era um macho, não sabia identificar de que raça seria, cabelos azuis e longo, um pouco arrepiado em cima. Rosto e torso com marcas tribais e uma lança em suas costas. Os olhos carmesim lhe encaravam em completo ódio, aproximou-se um pouco mais dela e fungou sentindo o cheiro.

-O....O que quer? Criatura herética do mato! Deixe-me em paz! Não voltarei! - Gritou a homúnculo em histeria.


-Por que tens o cheiro de minha irmã, mulher? - Aquela frase, aquela voz, aquele rosto mais de perto fez com que o peito de Enkidu doesse e ela se encolhesse. O mesmo pareceu ficar em alerta e pronto para acabar com o que fosse aquela fêmea que tinha o cheiro tão semelhante ao da irmã.


A ardência em seu peito continuou a ponto de gritar e urrar. Lágrimas escorreram de seus olhos, mas não eram suas. As faíscas vermelhas reagiam a algo e de repente, seu corpo começou a se modelar em algo novo. Doía apenas porque ela resistia ao desconhecido, era só permitir que a dor pararia, não é?

O homem parecia atordoado com o que presenciava e se perguntava do porque não ter atacado. A lança estava em mãos e a fúria ainda estava correndo quente em seu sangue. Viu ela mudar a frente de seus olhos, penas lilases dominava o ar. Caiam molhadas ao chão enquanto seus olhos encaravam algo inacreditável. O que se formou daquela menina de aparência tão frágil era algo que já conhecia. Um corpo mediano, cabelos de uma cor exótica assim com os seus. Suas orelhas como penas, as marcas tribais em seu rosto e a asa do lado esquerdo. Estava ajoelhada ao chão enquanto as faíscas se cessavam e ela se levantava. Parecia atordoada, perdida e ao olhar pra frente perdeu o ar. Se encaravam por longos minutos, a fúria do bárbaro lanceiro se esvaiu quando reconheceu aquela face, aqueles olhos.

-Reaper? - Sussurrou ela se aproximando passo por passo. Parecia se acostumar a andar novamente.

-Jaeger? O que aconteceu? - Era nítida a preocupação na voz do homem que correu para amparar a fêmea que quase veio ao chão. Pegou-a no colo e retirou-se dali o mais rápido possível.

-Me perdoe por não conseguir voltar pra casa... Pra você... - Sussurrou ela. Levou a destra a face do homem que permanecia com o olhar focado a frente. Ela conseguia sentir o coração palpitando rápido, acelerado como um tambor.




Durante o caminho a menina pássaro explicou do porque nunca retornou para casa. Ao ouvir o chamado da natureza, apenas sentiu seu corpo se fragmentar. Havia uma causa maior que o cosmos destinava a ela. Cuidar e zelar de várias almas ou fragmentos perdidos dentro de uma criatura que sofria. Uma segunda chance de viver, de descobrir qual o seu propósito. Ele a ouviu atentamente e quando chegaram a cabana. Ela novamente mudou voltando ao corpo primário de Enkidu que parecia apagada. Ele a deitou em um tapete de peles quentinho no chão e levou a orelha ao peito dela. Ouvia não batidas, mas sim sentia várias vidas ali.

Ela despertou e já se arrastou para um canto se encolhendo. Ele apenas bufou irritado, queria ter mais tempo com sua irmã, queria conversar, matar a saudade do corpo da mesma... mas aquele corpo sequer pertencia a Jaeger. O que quer que fosse aquela criatura fêmea, ela alguém escolhida pela própria natureza para ser cuidada. Ele se sentou frente a frente com ela. Era pálida demais para ser uma humana e nem sequer fazia as funções básicas de um. Havia curiosidade no olhar daquele homem da natureza.

-Como se chama? - Perguntou ele se aproximando um pouquinho mais enquanto ela se encolhia mais ainda. Os olhos esmeraldinos fixaram a ele ainda receosos e negou com a cabeça dizendo que não tinha um nome. - Não tem? Isso é errado, tudo nesse mundo tem um nome.

-Eu ouço vários nomes dentro de mim...Mas nenhum é o meu. - Sua voz era fraca. Ele pareceu pensar bem sobre. Cruzou os braços e pensou por longos minutos. Se levantou e foi até uma pequena mesa que lá tinha. Novamente os olhos curiosos dela rondaram o lugar. Era pequeno e quentinho. A iluminação era fraca pelo tempo escuro lá fora e nublado. Ele voltará com algo em mãos, eram alguns panos que deixou aos pés dela.


-Está cheia de lama, se limpe e tente descansar um pouco.


E com isso, um longo tempo se passou entre eles. Houveram mudanças no corpo da criatura, onde assumirá mais três formas. Em uma bela manhã, acordou e dera de cara com uma loirinha meio fada e elfa. Seu entusiasmo era exagerado e sentiu uma pontada de tristeza por alguém tão jovem e esperançosa ter morrido e parado dentro de um corpo artificial. Em outro dia, uma criatura de pele escamosa e cabelos vermelhos surgirá. Ambos lutaram ferozmente testando as habilidades de combate um do outro. E houve a última que era uma ruivinha espoleta que nunca parava quieta. A vantagem era que essa forma adorava cozinhar e ele não reclamaria de barriga cheia.

Porém, a que tinha mais dificuldade em lidar era a dona do corpo onde aquelas almas jaziam. A criatura sem nome, a morena de olhos tristes e vazios. Ele a tomou em uma caminhada noturna e apresentou-lhe a natureza. Em como ela era feroz, em como como era delicada também e bela. E que de algum jeito, ela também viera da natureza. Mesmo que por meios profanos, era alguém puro que descobriu como os humanos podem ser doentios.

Ela se encantou com aquele mundo que existia e queria explora-lo mais. Cada aprendizado era algo que lhe fazia controlar a si mesma. Aquela comunhão com a natureza e o entendimento com os fragmentos dentro de si.

Estavam ambos perto do fogo, olhando a madeira queimar e estalar. Uma lembrança veio a mente da Homúnculo, uma memória de Jaeger. Seu corpo repetiu aquela cena. Olhou-o curiosa, a destra levantou-se a face do homem que teve sua atenção chamada com esse ato. Nisso, ela aproximou-se e selou os lábios com calma. Era algo novo que sentia. Não era como quando o conde lhe beijava a força, aquilo aquecia seu interior.


-Isso sim é uma surpresa. -Disse ele cessando o selo e vendo se encolher.

-E-Eu só... Bom... - Sentiu a mão quente envolver seu rosto e erguer para que o olhasse. Havia um brilho único nos olhos daquele homem que lhe enfeitiçava e fazia esquecer toda dor sofrida.

-Acho que com esses anos, aprendi uma coisa valiosa. - Beijou-a na testa - Antes eu só amava Jaeger, minha irmã. Mas ela faz parte de você... De vocês. E eu amo cada uma que existe dentro de ti.


-... Amor? - Sussurrou para ele.


-Acredito quando digo que você é amável, todas são. Porém, ainda estou incomodado por não ter um nome então... Você é algo que encontra tudo o que foi perdido. Um lugar onde a esperança ainda pode arder, então vou te chamar de Paradise.


-Gosto desse nome.


Ele sorriu contente e aproximou-se devagar onde selou os lábios e aprofundou o beijo em seguida. Deitou-a naquele tapete de pele que trazia consigo a forte fragrância daquele homem. Olharam-se nos olhos um do outro e ela consentiu com a cabeça. E naquela noite a homúnculo pode ser amada pela primeira vez na vida.

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