CHERRY.

CHERRY.

𝗷𝗲𝗼𝗻𝗴𝗴𝘂𝗸.
SEIS ANOS ANTES.

“O que você pretende fazer quando sair daqui?” Jaehyun estava olhando para o céu estrelado. O campus inteiro do colégio estava silencioso, passava das duas da manhã quando os dois garotos decidiram subir no terraço, às escondidas, deixando o quarto que dividiam.

Jeongguk não era o melhor exemplo de aluno, nem de disciplina. Estava sempre matando aula, batendo boca com os professores, discutindo e arrumando briga pelos pátios. Não havia sido expulso de lá porque seu avô pagava a mais para que o garoto ficasse na escola, um internato masculino. O jovem ria todas as vezes em que lembrava de que seu avô o colocara ali dentro para deixar de ser viado. Até mesmo seu pai fora contra o ingresso do menino na escola, mas não bastou a discussão que durou semanas — o velho realmente queria deixá-lo lá dentro, trancafiado por três anos.

Se inclinou, deitando no chão frio e manteve os olhos fechados, um baseado pendendo no lábio enfeitado por um piercing. “Não sei.” Respondeu a pergunta daquele que chamava de melhor amigo dentro da escola. “Voltar a treinar com meus pais, começar uma faculdade. Eu queria investir na música.” Confessou. Como todos, o adolescente também tinha um confidente, Jaehyun era o diário de Jeon, assim como ele era o do amigo.

“Por que não investe?”

Meu avô me mataria.

Silêncio pairou. O mais novo, que tinha os cabelos tingidos em um tom cereja, não tinha costume de falar sobre seus avós paternos, sobre como sua relação com eles era ruim e forçada. Nunca foi uma coisa boa, ele não podia confiar nos avós para serem seu porto seguro e, sempre que visitavam a Romênia, não havia conforto. Os dois eram do exército quando eram jovens, se conheceram lá, ficaram juntos desde então. Eles pareceram ótimos até o menino completar treze anos e ter o seu primeiro heat, meses depois. Questionaram diversas vezes no mesmo dia o que os pais de Jeongguk estavam pensando quando decidirem adotar — em suas palavras — uma aberração. Porque era assim que os híbridos eram vistos pela sociedade, aberrações e coisas que não deveriam servir pra nada. Mesmo nos dias atuais, os poucos híbridos que existiam na escola eram vítimas de bullying e piadas de mau gosto. O ponto mais importante é que Jeon, sem o conhecimento dos pais ou do orfanato, era um dos mais raros. Um ômega lúpus. Talvez fosse o único respeitado ali, pela sua força e temperamento explosivo. Alguns tinham medo dele, outros sequer chegavam perto e, claro, haviam aqueles que tinham repulsa pela espécie do menino.

Porém, o desgosto dos avós piorou quando ele se assumiu homossexual aos dezesseis anos. Desde então, parou de frequentar a casa da família paterna. Achando que estaria livre, mudou-se com seus pais para Busan novamente graças a uma oportunidade que eles tiveram de liderar uma academia de lutas marciais, mas Jeongguk não podia estar mais errado.  Assim que finalizou o fundamental, recebeu a notícia. Seria colocado em um internato, a contragosto, para fazer o ensino médio longe dos amigos que tinha, longe de influências ruins, de acordo com sua avó. Seus pais insistiram até não conseguirem mais, mas já estava feito.

E ali estava ele. Três anos depois, quase se formando no último ano do ensino médio. Deitado no terraço, fumando escondido.

“Seu avô só pode te obrigar a ficar aqui até você ser maior de idade, Gguk. Você pode fazer o que quiser quando sair.” Jaehyun tentou animar o amigo, dando um tapinha na coxa dele e roubando o baseado da boca ressecada. O rosado fungou e se sentou, apoiando os braços nos joelhos enquanto olhava para o melhor amigo. “Não deve satisfações pra ele, e sabe que seus pais vão ficar do seu lado. Todas as vezes que eles visitam você, sinto uma pontada de inveja.”

“Inveja? Sua vida é perfeita, hyung. Sua família é perfeita. Você é perfeito.” Romanoff riu baixo, sem humor nenhum. Aceitou quando ele devolveu o cigarro e deu um trago longo, apagando a bituca no cimento do chão. “Mas quero cursar fotografia. Talvez eu faça alguma coisa em relação à música, ainda não pensei no que. Parece que... Eu não vou me ver livre disso nunca. Desse medo, dessa pressão. Eles estão longe de mim, mas tão perto ao mesmo tempo. Tenho essa sensação fodida de que eles estão presentes em cada passo meu.”

“Por isso você é assim.”

Jeongguk odiava quando o amigo tentava bancar o psicólogo. Sabia que ele cursaria psicologia, que daria orgulho para todos os membros da família dele, que teria um futuro perfeito, dentro do padrão da sociedade porque, diferente de si, Jaehyun era bissexual e tinha preferência por mulheres. No fundo, era o rapaz de cabelos tingidos que tinha inveja de alguém. Se levantou, passando as mãos pelos fios cor de rosa, e caminhou de um lado para o outro. “Eu não sei o que fazer.”

“Eu sei.” Jaehyun enfiou a mão no bolso da calça de moletom e tirou de lá um cartão preto, com letras em prata marcando um número de telefone e um nome. RJ era o que estava escrito logo abaixo do número.

“Que porra é essa, hyung?”

“Você sabe. É onde meu irmão mais velho trabalha. Você podia tentar, sei lá, conseguir trampo sem graduação superior é foda. Ainda mais aqui em Busan. A sede deles fica em Seul, você pode estudar e morar lá.”

Se lembrava vagamente das conversas onde questionava, com muita curiosidade e interesse, onde o mais velho conseguia as drogas que usavam, como conseguia entrar com elas na escola. Lembrou-se também dele explicando que Jinyoung o trazia em todas as visitas, deixava escondida no dormitório deles e ia embora como se nada tivesse acontecido. Também sabia que o amigo não tinha interesse nenhum em trabalhar com o irmão, sempre recusando as propostas e ignorando todos os chamados. O rapaz havia notado o interesse de Jeongguk em todas as conversas que tinha com o irmão, então sugeriu a ele uma vez, no meio do segundo ano, se lembrava disso. Na época, o rosado recusou. Agora, parecia extremamente atraente.

Olhou duvidoso para o cartão em suas mãos, pegou o celular e colocou dentro da capinha. “Irei mandar mensagem pra esse... RJ. Ele é o seu irmão?” Questionou, observando o outro se levantar e limpar a poeira na calça.

“Não, esse é o chefe. Não sei o nome dele, Koo.” Bagunçou os cabelos do mais novo, caminhando de volta para dentro do prédio com ele. “Vamos. Você precisa dormir, temos prova amanhã.” Riu do resmungo que Jeongguk soltou, reclamando que não aguentava mais as provas e que não via a hora de ir embora daquele inferno.

Mas o fim daquele sofrimento estava mesmo mais próximo do que ele esperava.

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