AS RUAS DO TEU CORPO [Conto Gay]

AS RUAS DO TEU CORPO [Conto Gay]

Jesús Blasco


Ela saiu e fechou a porta deixando eu e papai ali, estáticos em nosso choque.

Ele passou a mão pela cabeça e rosto, gelado. Eu ainda estava imerso na paralisia. Duplamente destruído, duplamente traído. O chão era tudo o que eu tinha agora. E como não havia mais nada para mim naquela casa, peguei a mala e fui embora.

Fui embora, mas deixei cada gota de mim no caminho.

Quando cheguei ao meu destino, eu já era deserto.

Eu não sei se passaria por tudo isso de novo. Foi metade de uma vida, praticamente. Perdi a minha mãe e o meu real amor. Na verdade, perdi meu pai também. Entre nós, agora, só silêncios. Mas eu os entendo bem. Se nesta história teve vilões, todos eles foram eu.

Mamãe pediu o divórcio. Não teve acordo. Hoje ela mora em Angra. Parece que adotou uma filhinha canina e está bem com o seu novo namorado. Do papai, não tenho muitas notícias. Também esteve com outras, segundo me contaram, mas não chegou a se casar com nenhuma. Sinto que nunca mais os verei. E isso é amargo.

Já eu, se ainda te interessa, estive indo para a África do Sul mais de uma vez. Quantos Alex Kotze viveriam por lá? E eu ainda tinha uma esperança, uma fagulha, mesmo que vaga, eu a tinha, sabe? Se bem fosse nem uma esperança: era mais um combustível.

Nunca o reencontrei, porém.

Talvez só por ele eu vivesse tudo de novo. Para fazer tudo diferente. Tomar outras estradas.

Mas hoje já não sou mais o jovem passional de antes. Não gosto de assistir aos outros viverem. Superei a fase da televisão e tomei o meu protagonismo nas mãos, embora tarde, embora tendo perdido a minha base pelo caminho. Mas se antes tropecei e caí, hoje estou bem. E estou bem por um fato em especial.

Se esta história tivesse um sabor exprimível, seria o amargo. Tudo nela é amargo e pouco me recordo dos momentos doces. Tudo é vergonhas e remorsos, e o peso é demais para se carregar. Um dos momentos doces aconteceu no natal lá de 2002. Eu estava num pub, no Brás, sentado, cotovelos no balcão, olhando o meu copo. No copo, eu não via só a cerveja. Via um filme triste, e eu era o protagonista. Tanta coisa eu tinha conseguido, mas sempre terminava sozinho. Então passou por mim um perfume muito conhecido. Chamou a minha atenção. Me voltei para trás caçando quem usava aquele perfume. Bastava ver o rosto, o jeito, a roupa, que fosse. Isso apenas me desconsolaria. E vi. Vi que nem cri, vi que perdi a cor.

― Alex? ― eu disse, pasmo e ansioso.

Ele não respondeu. Virou-se para mim e simplesmente sorriu.


FIM

[Escrito por Jesús Blasco, janeiro de 2020]


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