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Cresci em uma pequena cidade rural, onde a maioria de moradores eram compostos de agricultores rurais. A escolinha era composta de gente humilde, onde todos tratavam-se bem. Depois, a gente era mandado para outras escolas da cidade grande. Lá misturavam-se todo tipo de gente, e cada pessoa possuía sua tribo. Eu jamais fui de tribo alguma, sempre fazia amizade com um só colega e andava com ele. No entanto, andava sempre atrapalhado, a ponto de chamar atenção da turma para mim, que riam-se. Às vezes eu fugia, mas com o tempo, aprendi a brigar por mim. Mas a perseguição chegava em um tal ponto insuportável que não achava mais vantagem em ir para a escola. De que valia um monte de ensinamentos dos quais eu não queria saber de nada, e um monte de arruaceiros me perseguindo? Cansado de brigar, já não frequentava a escola, matava aulas. Com o tempo, aprendi a me virar na rua. Arranjei um jeito de ganhar dinheiro, e fazia muito dinheiro. Então, o mundo todo era meu. Montei meu próprio clã, e inseri alguns moleques. Com o tempo fomos descobertos, e a estratégia se desfez. Em casa, não compreenderiam o que eu estava fazendo. Dormi fora de casa uma vez. Isso foi aos doze anos.

A coisa, daí por diante, não mudou muito. Não me encaixei em lugar algum, matava aulas e lutava pela minha sobrevivência. Uma vez, estava de saco cheio da escola, de todos, e bebi um conhaque, sozinho. Chegue na escola já bêbado, e, avistando um moleque de gangue — de quem eu não gostava nem um pouco — parti para cima dele às porradas. Juntaram-se oito, com os quais eu briguei até desmaiar. Lembro-me apenas de acordar na maca da diretoria, sujo e ensanguentado. Tomado de fúria, saí a gritar pela escola, invocando meus agressores, que se esconderam e não deram as caras.

No outro dia, fui para a escola armado, para defender-me. Mas, por sorte, me deixaram em paz. Descobriram que eu estava armado, e então os professores disseram que eu não mais precisava ir à escola. Cheguei ao primeiro ano. Eu tinha iniciado meu gosto por literatura e filosofia, e daí, a escola para mim me pareceu uma enorme bagunça sem sentido, uma completa perda de tempo. Haviam professores preguiçosos, muito dos quais ignorantes arrotando um saber pretensioso que não tinham, e velhas gordas que apenas gritavam em classe. Deprimi-me. Tomei alucinógenos e tive sonhos alucinatórios que não sabia distinguir se eram realidade ou fantasia. No outro dia, passei a tarde no fundo da escola chorando, porque indagava-me qual era o sentido de tudo aquilo, que para mim parecia um completo absurdo, assim como hoje é, para mim, a vida. Encaminharam-me para um psicólogo, quando fui pego aos soluços. Nunca cheguei a falar com um psicólogo, naquela época, porque ninguém levou tão em conta minha situação. Fiz um supletivo, arrumei um trabalho. Depois viajei com minha família para o nordeste, e retornei, desempregado. Desde então procuro por um trabalho, tento sustentar-me sozinho, mas sem sucesso. Conheci algumas garotas das quais cortejei, mas jamais me quiseram. Por que haviam de querer? Comecei a estudar literatura, sozinho. Aos vinte, peguei uma enorme depressão. Sozinho e sem perspectiva de vida, isolado e atônito em meio à uma vida que parecia apenas neblina. A sensação de que o tempo está passando e eu não estava fazendo nada produtivo. Entrei para um curso de empreendedorismo, na esperança de vencer sozinho minha situação sem precisar da ajuda de ninguém. Eu já havia chegado até aqui dizendo “não” para inúmeros caminhos fáceis e agora deveria arcar com minhas escolhas, e mostrar para o mundo que eu era capaz de vencer na vida sozinho. Mas como, na minha vida, nada é fácil, aconteceu um série de contratempos nesse curso no qual entrei. Desencorajaram-me do meu projeto, digamos que debocharam dele e o reduziram a um mero nada. Fiquei sem rumo. Nesse momento, as circunstâncias para mim pareciam enormemente conflitantes, e meu cérebro passou a procurar por uma solução. Sentia os primeiros sintomas de uma neurose chegando. Achava que tudo havia um sentido oculto, que agora era revelado apenas para mim. Agora falava sozinho diante dos sinais. Seria estranho demais descrevê-los. Andava na rua a esmo, armado com um canivete para me defender de quem quisesse atacar-me. Entrei em um ônibus, e todas as pessoas saíram; entrou um policial. Encarei-o, tomado de raiva e presunção, mas logo desci. Decidi caminhar até em casa. Vi, no caminho, uma rodinha de fogo e crianças brincando em volta. Aquilo lembrou-me da minha infância, e eu achei que era tudo combinado, como se quisessem ativar minha memória infantil para me fazer voltar para casa. Eu devo admitir: estava ficando esquizofrênico. Todos os sinais culminaram até um ponto em que eu não suportava mais, e cobrava explicações para todos à minha volta. Aqui, perceberam que eu estava surtando, e me internaram. Para mim, eu não entendia o que estava acontecendo, porque na minha cabeça tudo parecia tão real, e eu sentia-me injustiçado. Sentia-me, sobretudo, abandonado por Deus. Foi doloroso estar amarrado. Fiquei no hospital psiquiátrico por uma semana, mas, depois, quando saí, levaram-me para um hospital para tomar remédio. Como eu recusava, levara-me à força. Aqui ativei novamente o “eu marginal”; briguei com os médicos, cuspi na cara deles e os xinguei o máximo que pude. Apanhei um bocado, e deram-me uma injeção para dormir. Quando acordei, sentia-me completamente quebrado. Queria uma reparação judicial. Amarram-me novamente, dessa vez não entendi o porquê. Agora, cá estou. Sozinho, perdido, desolado, sem consolo, pobre, sem mulher, e com uma história de vida horrível (dores do ego). Aprendi, com tudo isso, a jamais abaixar a cabeça, aprendi a defender-me, aprendi que só eu sei o que se passa com minha vida, e eu devo ser um ator participante e confiante dela, não ser passivo. Aprendi a nunca me curvar. Você é um único advogado da sua própria vida, se você não se defender e não lutar por si, ninguém mais o fará. Se você esperar que passem a mão na sua cabeça, será eternamente um fraco mimado. Depois de tudo, o único lugar, neste país, que me senti bem, foi no hospício. Lá, estava com meus iguais, éramos amigos, parecíamos soldados em campanha de guerra, fumando e falando sobre mulheres. Cada um com sua história de vida mais parecida com a do outro.

Ainda não sei o que eu vou fazer da minha vida, eu não sei para onde ir, mas gostaria muito de viajar e partir sozinho para outro Estado. Não ficar preso aqui, porque esse Estado já deu no que tinha que dar. Quero muito partir. Talvez seja desígnio de Deus, a verdade é que não sei, mas não tenho condições de partir.

Ter uma neurose, ou melhor, um delírio persecutório, que foi o que eu tive, não é nada fácil. A ilusão parece tão real que você jamais quer deixá-la. Odeio tomar remédios.

Às vezes, para não dizer que sempre, tenho vontade de morrer e partir dessa vida. Isso não é triste, porque eu vejo a morte como uma libertação desse mundo horrível, pesado, poço de incompreensão. Se eu morresse, tudo estaria resolvido: a falta de sentido, a vida inútil, os inúmeros erros. É como se eu não fizesse parte de nada, nunca tivesse pertencido a coisa alguma. Vitor Frankl perguntava aos seus pacientes, quando eles lhes contavam seus problemas: “por que você não se mata?”. Alguns respondiam que queriam cuidar do filhos, pintar quadros ou escrever. Eu apenas não me mato porque tenho medo do inferno. Será que isso significa algo?

https://www.youtube.com/watch?v=T1_4e7gFBDw

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