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A beleza do corpo existe, é evidente, e é muito importante; porém essa perspectiva tende a reduzi-la a um modelo anatômico. Há uma crença muito difundida de que a beleza do corpo consiste em certas proporções que se traduzem em três números. Sempre causou-me indignação o fato de se acreditar que três números possam exprimir a beleza de uma mulher, que custou tantos endecassílabos aos poetas.

Isto não é sério. Se as coisas fossem assim, poderiam fabricar-se mulheres formosas em série, com as medidas justas. A beleza do corpo não se reduz a dimensões: é expressividade, tensão, vibração, maneira de levá-lo, o que em espanhol se designa com vários nomes de muita sutileza. Mas, sobretudo, o corpo é sempre de alguém, os corpos não andam por si sós. Imagine-se um corpo sem cabeça : deixa de ser propriamente um corpo. O corpo é de um rosto, isto é, de alguém que se faz presente, visível, inteligível em seu rosto, e é preciso interpretá-lo a partir dele, em função dele.

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"A forma feminina da beleza é o que chamamos graça. A saudação do arcanjo Gabriel a Maria contém a expressão mais adequada: 'Khaire, kekharitoméne', 'salve, cheia de graça'. Convém não verter toda a teologia da graça sobre esta palavra; kekharitoméne é literalmente "agraciada", "graciosa". Por isso a mulher é - quero dizer, uma vez mais, tem que ser - grata, agradável, e essa graça é grátis, um dom gratuito - uma graça -, instável e inseguro, quase milagroso. Convém não passar por alto a impressão de 'inverossimilhança' que o espetáculo da beleza feminina produz no homem, assim como algo surpreendente, assombroso, que parece pronto a volatilizar-se. E essa graça é algo alado, leve, oposto à gravidade do varão: gracilidade quer dizer delgadez, esbeltez, graça e beleza ao mesmo tempo.”

A Mulher do Século XX, Julián María. 

Pintura: Mary Magdalene In The Cave, 1876.

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